Ação é do grupo 'Em Direita Vale do Paraíba', na internet, e replica campanha de deputada eleita pelo PSL em Santa Catarina, que será investigada pelo MPF; na região, PSL diz que a iniciativa é de militantes e é 'legítima'
Xandu Alves@xandualves10
Grupos de direita do Vale do Paraíba criaram um canal de denúncia contra professores 'doutrinadores' na região. A medida, que foi criticada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), será analisada pelo Ministério Público Federal.
A iniciativa surgiu no perfil do Facebook dos grupos "Em Direita Vale do Paraíba" e "Direita Taubaté". Em publicação direcionada a estudantes de Taubaté, eles pedem que os alunos filmem ou gravem professores em sala de aula em "manifestações político-partidárias ou ideológicas".
Os grupos justificam o pedido em razão da vitória do candidato Jair Bolsonaro (PSL), que defende teses conservadoras e já avalizou, em discurso, a denúncia de professores com tendências políticas ligadas à esquerda.
"A partir de segunda-feira (29) os professores doutrinadores estarão inconformados e revoltados. Muitos deles não conterão sua ira e farão da sala de aula um auditório cativo para suas queixas político-partidárias em virtude da vitória de Bolsonaro", diz um trecho da publicação.
O canal oferece um e-mail e dois perfis no Facebook para envio de imagens ou gravações dos professores, junto com o nome do educador e da escola, com a garantia de anonimato do denunciante.
TEOR.
O texto é o mesmo usado pela deputada estadual eleita pelo PSL em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo, que criou um canal de denúncias na internet com o intuito de gravar professores em sala de aula. Ela será investigada pelo Ministério Público Federal por "possível violação ao direito à educação dos estudantes". Um professor denunciou nesta terça-feira a iniciativa dos grupos do Vale ao MPF, que deve analisar o caso nos próximos dias.
"Não acho que vigiar o professor de doutrinar, seja de esquerda ou direita, irá mudar a educação brasileira. Só irá deixar professores intimidados".
Anderson Senna, futuro presidente do PSL em São José e articulador no Vale, considerou a campanha "legítima" e disse que é feita por militantes.
"Há vários episódios de professores que utilizam a sala de aula para disseminar ideias e convicções. É legítima essa movimentação, porque a doutrinação fere a liberdade".
Procurado, o grupo "Em Direita Vale do Paraíba" não quis conceder entrevista. Limitou-se, por meio de nota, em dizer que "não existe 'campanha de incentivo' a alunos a 'gravar professores', mas orientação para que tomem providências acerca de 'professores-doutrinadores' e censura aos alunos discordantes". A nota, na íntegra, pode ser lida ao fim deste texto.
'Ação viola direitos e intimida professorem sala de aula', analisa a OAB de Taubaté
Luiz Guilherme Paiva Vianna, presidente da OAB de Taubaté, considerou a iniciativa dos grupos conservadores como "extremamente violadora e intimidadora ao professor que está dentro da sala de aula". Segundo ele, o educador passa conteúdo que abrange história, política, filosofia, e tem "liberdade de cátedra", não podendo "sofrer intimidações oi retaliações por ter sua voz calada", em razão da "liberdade que ainda existe e é prevista na Constituição". E completa: "Aluno precisa compreender que está sendo um instrumento de um grupo político para uma reforma constitucional que não existe, que é violadora de direito".
Gilmar Ribeiro, professor e diretor estadual da Apeoesp, disse que a entidade condena "veemente" tanto a doutrinação quanto "esse tipo de vigilância". "Defendemos uma escola livre, com pluralidade cultural e com os assuntos discutidos livremente, para os alunos formarem suas próprias opiniões".
MPF recomenda que universidades mantenham liberdade em sala
O Ministério Público Federal de Chapecó (SC) divulgou uma recomendação para que as instituições de ensino superiores se "abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores", que representem "violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao pluralismo de ideias e de concepções ideológicas".
Em nota, a Unitau (Universidade de Taubaté) disse que "reitera o respeito às instituições e à Constituição" e reafirmou seu posicionamento como um "espaço democrático, onde prevalece a pluralidade de ideias".
Confira a nota completa do Em Direita Vale do Paraíba
Somos vários administradores e não entendemos haver necessidade de lhe falar pessoalmente, tendo em vista a falta de interesse do jornal O VALE em nossa opinião e atividades até então. Não fomos procurados nenhuma vez sequer para falar sobre as carreatas e passeatas que mobilizaram milhares de taubateanos recentemente.
No mais, não existe "campanha de incentivo" a alunos a "gravar professores", apenas orientamos a tomar providências acerca de "professores-doutrinadores" e censura aos alunos discordantes. Existe MUITA diferença.
Em relação a gravações, segue pertinente orientação do professor Miguel Nagib em sua pagina:
SOBRE O DIREITO DE GRAVAR AULAS
Nada impede o estudante de gravar suas aulas (ou seus pais de fazê-lo por seu intermédio). Qualquer proibição nesse sentido teria de ser imposta por meio de lei afinal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei ; e seria mais que duvidosa a constitucionalidade de uma lei que estabelecesse tal proibição.
1. Primeiro, porque a administração está sujeita ao princípio da publicidade (CF, art. 37, caput). O que acontece dentro de uma repartição pública e a sala de aula nada mais é do que uma repartição pública não deve ser, em princípio, segredo para ninguém. A transparência se impõe. Uma lei que proibisse a gravação das aulas ministradas no âmbito do sistema público de ensino subtrairia à sociedade e aos pais, sem nenhuma justificativa razoável, o controle desse serviço prestado pelo Estado.
2. Segundo, porque, em determinadas circunstâncias, uma lei como essa poderia representar um obstáculo ao cumprimento do dever imposto aos pais pelo art. 229 da Constituição: criar e educar os filhos menores. Há de entender-se, portanto, que a esse dever dos pais corresponde o poder de acompanhar, tão de perto quanto possível, a vida escolar dos seus filhos menores. Trata-se, aqui, da conhecida teoria dos poderes implícitos, segundo a qual, se a Constituição dá os fins (no caso, o dever dos pais de criar e educar os filhos menores), supõe-se que dê também os meios.
3. Terceiro, porque, ao dispor que a educação escolar é obrigatória dos 4 aos 17 anos, a Constituição não pretendeu retirar dos pais o poder familiar. Logo, não seria constitucional uma lei que os impedisse de inteirar-se diretamente daquilo que seus filhos estão aprendendo na escola, até mesmo para saber, entre outras coisas, se o seu direito de dar a eles a educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções não está sendo desrespeitado por agentes do Estado.
4. Quarto, porque seria totalmente desarrazoado ofendendo, por isso, o princípio constitucional da proporcionalidade negar aos destinatários de uma fala o direito de registrá-la, com o objetivo de reconstituir a verdade, se e quando necessário (principalmente se esses destinatários são crianças ou adolescentes, indivíduos a quem a Constituição assegura proteção integral e prioritária).
5. No STF, é pacífico o entendimento de que a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento do outro, constitui ato lícito. Assim, ainda que o estudante fosse surpreendido fazendo uma gravação sem o conhecimento do professor ou da escola, ele não poderia ser punido por isso.
6. A gravação se legitima também, obviamente, por razões pedagógicas, ao permitir que o estudante assista novamente a uma aula com o objetivo de fixar o conteúdo transmitido pelo professor.
7. Por outro lado, jamais se poderia negar às escolas, enquanto empregadoras, o direito de fiscalizar o trabalho realizado por seus professores entre as quatro paredes das salas de aula, quanto mais não seja porque é sobre elas que recairá a obrigação de indenizar os danos que eles vierem a causar no exercício da função.
8. Por fim, seria um completo absurdo que os consumidores dos serviços prestados pelas escolas particulares isto é, os pais dos alunos ficassem impedidos de conhecer e avaliar a qualidade desses serviços.
9. A proibição do uso do celular (prevista em algumas leis estaduais e municipais) somente se justifica para fins pedagógicos, isto é, para não atrapalhar o aprendizado do aluno. A proibição evidentemente não impede o uso desses aparelhos na função GRAVADOR.
(Fonte: facebook.com/escolasempartidooficial/posts/1175651409252515)
Autorizamos desde já a divulgação da resposta, desde que seja na íntegra, para não haver distorções na interpretação de eventual publicação parcial de conteudo.
Nada mais a acrescer,
Att.
Em Direita Vale do Paraíba.
fonte: O Vale
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