— Eu servi pra ele? — perguntou Tatiana Solonca, sem conter as lágrimas. Estas foram as palavras da doadora para a amiga que a acompanhava no hospital logo após receber a notícia de que um ultrassom havia sido realizado no amigo Joao Vitor Loch, de quatro anos, e tudo corria bem. A carioca havia sido submetida a uma cirurgia para doar um pedaço do fígado ao garoto em um transplante de mais de dez horas.
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O dia 20 de agosto vai ficar marcado para sempre nas vidas desses dois moradores da Grande Florianópolis. Um ano e oito meses depois que João Vitor recebeu o diagnóstico de câncer, o necessário e esperado transplante de fígado finalmente aconteceu no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, referência no procedimento para pacientes do SUS. Dez dias depois, Tatiana já teve alta hospitalar e se recupera muito bem. João ainda está no hospital, mas não precisa mais de antibióticos, se alimenta, conversa e brinca. Pede para a avó para voltar logo para casa, pois agora não tem mais "bichinho na barriga dele".
João Vitor se recuperando após a cirurgia
Foto: Isonyane Ferreira de Siqueira / Palavra Palhocense
A história de João Vitor e Tatiana confere uma dimensão maior ao conceito de doação de órgãos. É um exemplo raro de amor ao próximo. A mulher estava ciente de todos os riscos que corria ao optar por tirar uma parte de seu corpo para doar a alguém que mal conhecia: poderia ter complicações e até mesmo morrer. Ainda precisaria obter uma autorização judicial por não ser familiar. Mas não hesitou ao embarcar junto com João Vitor em uma corrida contra o tempo. Foram altos e baixos até o dia decisivo. Entre idas e vindas a São Paulo, Tatiana precisou emagrecer quase 30 quilos para a cirurgia acontecer com segurança e deixou o filho da mesma idade de João e o marido sozinhos por um longo período.
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João continuou na quimioterapia para atacar o tumor. Existiram momentos de desânimo. Em junho o estado de saúde de João piorou, e a família se preparou para o pior. O tipo de câncer - hepatoblastoma - é bastante raro, e o menino apresentava uma má resposta ao tratamento. Mesmo com inúmeras sessões de quimioterapia, João não estava melhorando e um transplante era imprescindível para salvar sua vida.
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Tatiana agora é a mãe do fígado do pequeno João
Foto: Betina Humeres, Agência RBS
Tatiana deu a João uma oportunidade de uma nova vida, mas o que João ainda não sabe, é que também salvou a vida dela. Com a trajetória marcada pela perda de quatro gestações, Tatiana por muitas vezes esteve deprimida, mas conta que com a criança aprendeu que existem várias formas de ser mãe. Em pouco tempo o fígado de Tatiana já terá se regenerado completamente, mas as marcas do ato de doação vão ficar para sempre no corpo e na alma da mulher. As cicatrizes da cirurgia lembram as de um parto cesariana:
— Me sinto abençoada, feliz e agradecida pelo privilégio que Deus me deu de fazer parte de tudo isso. Meu outro filho nasceu, e temos que continuar orando pois ainda existe um longo caminho a ser percorrido — disse.
Tatiana agora é a mãe do fígado do pequeno João. Na segunda-feira ela completa 34 anos, e já recebeu os melhores presentes: a recuperação do amigo e a companhia do marido Pedro e do filho Pedrinho em São Paulo.
Foto: Betina Humeres, Agência RBS
Relembre a história de superação
Dezembro 2012: João Vitor é diagnosticado com câncer no fígado e inicia a quimioterapia. O menino não responde bem ao tratamento e somente um transplante pode salvar sua vida. Uma tia é compatível, mas acaba engravidando durante o processo.
Dezembro de 2013: João Vitor e Tatiana se conhecem na Igreja Batista no Alto Aririú, em Palhoça. Tatiana se comove muito com a história do menino e, em um ato de generosidade, se dispõe a ser a doadora.
11 fevereiro 2014: Tatiana e João vão para São Paulo para exames. Tatiana descobre ser compatível, mas os médicos avisam. Ela precisaria emagrecer mais de 20 quilos para a cirurgia acontecer com segurança
Fevereiro: Tatiana começa uma corrida contra o tempo para emagrecer. Consegue apoio de uma academia em Santo Amaro da Imperatriz, e começa uma dieta rigorosa
Foto: Facebook. Reprodução
28 de abril: Tatiana e João vão novamente para São Paulo para mais exames e possível realização do transplante
30 de abril: Tatiana consegue apoio de academia em São Paulo. 05 de maio: Tatiana e João passam por uma bateria de exames. Ela ainda precisa emagrecer mais três quilos para a cirurgia acontecer com segurança, e consegue o apoio de uma academia em São Paulo
11 de maio: Tatiana passa o primeiro dia das mães longe do filho Pedro. João dá um colar de presente para Tati com o pingente de dois meninos, e diz que são os dois meninos.
20 de maio: João e Tatiana voltam para Florianópolis sem realizar o transplante. O tumor do menino cresceu e os médicos aconselharam fazer um tratamento mais agressivo para ver se seria possível tentar novamente o transplante.
20 de junho: João se recupera de uma trombose e continua quimioterapia no Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis. Seu estado de saúde é muito grave.
28 de julho: João realiza novos exames em Florianópolis e inesperadamente o tumor diminuiu. Médicos informam que era o momento de fazer o transplante
4 de agosto: João e Tati vão novamente para São Paulo e passam por mais uma bateria de exames. Tatiana está dentro do peso adequado.
20 de agosto: Após 11 horas de cirurgia, o transplantes de fígado é concluído com sucesso.
22 de agosto: Tatiana deixa a unidade semi-intensiva e vai para o quarto. João continua na UTI. Avó de João, dona Maria, tem um noite ruim: a pressão subiu e também a diabetes.
Foto: Isonyane Ferreira de Siqueira, Palavra Palhocense23 de agosto: Joao e Tati se encontram pela primeira vez depois da cirurgia. Momento de muito emoção descrito pela amiga Isonyane.
25 de agosto: Tatiana recebe alta hospitalar, mas continua em São Paulo para o pós operatório. João segue se recuperando, já caminha, fala, e se alimenta.
29 de agosto: Tatiana está bem, realiza caminhadas por orientação médica. João já parou com os antibióticos e segue se recuperando dentro do previsto. Ainda sem previsão de alta.
fonte:http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2014/08/historia-de-transplante-de-joao-vitor-e-tatiana-e-exemplo-de-amor-ao-proximo-4586432.html
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