Dá para imaginar. Alessandra não parava um segundo durante o desfile. Ora dançava na rua, junto a outros famosos que desfilavam pela área reservada. Ora subia no trio elétrico, como uma rainha que recebe as reverências de seu povo. “Eu me sinto uma estrela do rock”, disse. “No palco, mesmo no teatro, você não tem contato com tanta gente ao vivo.” Foliões se aglomeravam para ver a rainha passar. Apontavam seus celulares para ter a chance de tirar uma foto ou, quem sabe, conseguir um selfie para publicar nas redes sociais. Foi na internet, aliás, que a idolatria à fantasia e à beleza da atriz saiu da Rua da Consolação e alçou níveis nacionais. Ou melhor, globais. Na noite de domingo, depois que o desfile do bloco já havia terminado, o nome de Alessandra Negrini aparecia entre os termos mais citados no Twitter mundial. O mesmo aconteceu no Facebook. A repercussão se estendeu até a segunda-feira, um dia tradicionalmente baixo-astral. “A Alessandra Negrini vestida de noiva está passando por sua página. Compartilhe esta imagem para abençoar a sua manhã”, escreveu um usuário do Twitter. “Segunda-feira passando mais devagar que a idade da Alessandra Negrini”, brincou outro.
A comoção nas redes sociais fez com que sites de veículos de diversos Estados brasileiros falassem sobre o Carnaval da cidade de São Paulo. Em muitos casos, foliões desavisados se perguntavam: “Espera aí. Carnaval em São Paulo? A cidade que até outro dia era conhecida como túmulo do samba?”. Exato. Ao longo do último final de semana, segundo dados da Secretaria de Cultura da capital, por volta de 400 mil foliões se dividiram em cerca de 140 blocos espalhados pela cidade. O número de blocos é praticamente o mesmo (ao menos oficialmente) do pré-Carnaval carioca, que ganha na quantidade de foliões – 600 mil no último final de semana. De qualquer forma, é um número surpreendente para uma cidade que, dez anos atrás, nem sonhava com um movimento de blocos de grande adesão popular.
A exemplo do Rio de Janeiro, que viveu o renascimento do Carnaval de rua nos anos 1990, a formação dos blocos ocorreu por iniciativa de grupos de entusiastas de marchinhas e sambas antigos. Na capital paulista, o berço do renascimento foi o bairro boêmio da Vila Madalena. Paulistanos que aproveitavam o Carnaval de rua no Rio de Janeiro ou em cidades de Minas Gerais, como Ouro Preto, passaram a se reunir no final de semana antes do feriado para “fazer o esquenta” para a grande festa da carne. “A primeira bateria tinha 12 integrantes. Alugamos um carro de som vagabundo, fizemos um estandarte e fomos para a rua”, diz Eduardo Piagge, um dos fundadores do Confraria do Pasmado, bloco que debutou nas ruas em 2006. Em seu primeiro desfile, o Confraria contou com 200 foliões. “Cinquenta amigos e mais algumas pessoas que foram descendo dos prédios e saindo dos bares para acompanhar”, diz Piagge. Em 2008, já eram pouco mais de 1.000. Em 2010, 10 mil. Hoje, a bateria conta com cerca de 80 ritmistas. No desfile do último domingo, o bloco levou mais de 20 mil foliões para a rua.
Ao longo dos anos, o Confraria do Pasmado ganhou a companhia de outros blocos. Alguns das imediações da Vila Madalena – como oJegue Elétrico, o Nois Trupica Mais Não Cai, o Ritaleena e o Casa Comigo. Outros surgiram na região central de São Paulo, como o Acadêmicos do Baixo Augusta. O maior bloco genuinamente paulistano foi fundado em 2009 pelo agitador cultural Alê Yousseff e amigos músicos, como Wilson Simoninha. A grande virada de popularidade do Carnaval da capital ocorreu em 2012, com alguns efeitos colaterais.
Há quatro anos, alguns blocos do Rio de Janeiro apresentaram-se na capital paulista. Céu na Terra e Sargento Pimenta, dois megablocos cariocas, levaram uma multidão inesperada de foliões para a Vila Madalena. A área reúne bares e restaurantes, mas é essencialmente residencial. Um pequeno caos se formou. Nos dois anos seguintes, o bairro foi soterrado por foliões vindos de diversas regiões. A resposta da prefeitura foi criar um marco regulatório e definir regras para a festa. A prioridade: retirar todos os grandes blocos da Vila Madalena e distribuí-los por outras regiões da cidade. Nessa mudança, o Confraria do Pasmado e o Casa comigo deixaram cumprir seus trajetos originais pelas ruas do bairro e migraram para a avenida Faria Lima, em Pinheiros. Ao longo de todo o Carnaval paulistano – que leva em conta o fim de semana anterior, o feriado e o pós-Carnaval –, cerca de 350 blocos vão desbravar as ruas de São Paulo. A Vila Madalena, ainda protagonista, abre espaço para outros pontos conhecidos, como a Avenida Tiradentes, próximo à Estação da Luz, e o Parque Ibirapuera.
Alessandra Negrini já avisou que, ao menos em 2016, suas exibições carnavalescas já cessaram. Ela não pretende sair em outros blocos ou mesmo em escolas de samba de Rio de Janeiro e São Paulo. Passará os dias ensaiando para uma peça que deverá estrear em breve. Em 1995, aos 25 anos, Alessandra fez o papel de Engraçadinha, a filha de um moralista, sedutora, amante de um primo que, mais tarde, descobriria ser seu irmão – em uma minissérie baseada na obra de, óbvio, Nelson Rodrigues. Quando Alessandra foi Engraçadinha, a Rua Augusta não era uma região tão descolada e São Paulo era um refúgio para alérgicos ao samba. Muitos poderiam dizer que, 20 anos depois, Alessandra faria sucesso. Mas poucos acertariam que seria no papel de uma rainha passista engajada de um bloco hippie-chique que arrasta mais de 100 mil pessoas nocoração do agora ex-túmulo do Carnaval.
Comentários