Em meio a uma grave escassez de alimentos, Venezuela aprofunda a pior crise econômica de sua história e faz membros do Mercosul agirem para impedir que o governo de Nicolás Maduro assuma a presidência do bloco
O momento na Venezuela é de caos generalizado. Sem alimentos e utensílios básicos de higiene e limpeza nas prateleiras das lojas de todo o país, a população passou a se mover pelo instinto de sobrevivência. Na semana passada, um grupo de aproximadamente 500 mulheres decidiu não se submeter mais às condições subumanas impostas pelo governo de Nicolás Maduro. Vestidas de branco e gritando palavras como “sim, é possível”, elas forçaram uma barreira policial para atravessar a fronteira e entrar na cidade de Cúcuta, na Colômbia.
A passagem é ilegal desde agosto de 2015, quando a divisa terrestre de 2,2 mil quilômetros foi fechada. O colapso instaurado no país, porém, transcende os problemas locais. A crise passou a ser internacional e atingiu o Mercosul. Membro do bloco econômico desde 2012, os venezuelanos são cotados para assumir, em agosto, a presidência no rodízio existente entre os países-membros. Maduro conta com esse posto para alcançar a legitimidade externa. Mas o novo ministro de relações exteriores do Brasil, José Serra, assim como líderes de Argentina e Paraguai, articulam para evitar esse constrangimento.
Para barrar esse avanço, Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso embarcaram às pressas para o Uruguai. Atual presidente do Mercosul, o presidente uruguaio Tabaré Vazquez recebeu a comitiva brasileira, em Montevidéu. Eles discutiram meios de conseguir mais tempo antes de o país passar o posto às mãos da equipe de Maduro. Embora simbólica, a presidência do bloco poderia mostrar ao mundo que a Venezuela, país que não cumpre cláusulas democráticas mínimas, não está isolada politicamente.
Essa legitimidade é tudo o que o governo do caudilho chavista procura. Com 80% da população contrária à manutenção de Maduro no poder, a oposição tenta validar um referendo para revogar seu mandato. A tentativa pode naufragar caso o país se fortaleça internacionalmente. Cautelosa, a estratégia da cúpula diplomática brasileira é ganhar tempo para que a Venezuela se enforque com os próprios erros. Desde que ingressou no Mercosul, numa manobra política de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, o país teve quatro anos para se enquadrar nas exigências do bloco, o que não aconteceu.
“O Brasil não pode deixar que o bloco passe uma mensagem de falta de coerência e de inconsistência”, diz Regis Arslanian, ex-embaixador do Brasil no Mercosul e sócio da GO Associados. Inserida em uma das piores crises econômicas e políticas da atualidade, a Venezuela não tem reserva internacional e nem credibilidade para conseguir empréstimos. O governo de Maduro precisou decretar crise humanitária e estado de emergência, para garantir o abastecimento de bens básicos à população. “O estrago causado por Maduro fez o país regredir décadas”, diz Silvio Campos, da Tendências Consultoria.
Altamente dependente do petróleo, responsável por 96% de suas divisas e 60% das receitas, o país ficou encurralado economicamente com a desvalorização do barril do óleo negro no mercado internacional. Eram esses recursos que garantiam a importação de bens – 80% do que é consumido localmente vêm do exterior. O desabastecimento de matérias-primas fez com que empresas fechassem suas portas. No final de maio, a Coca-Cola interrompeu a produção de refrigerante por falta de açúcar.
A conta desse problema atinge diretamente os parceiros comerciais da Venezuela, como o Brasil. Prova disso é a dívida que o governo de Maduro acumula com os empresários brasileiros. Até o ano passado, dados da Câmara de Comércio Brasil-Venezuela mostravam um endividamento de cerca de US$ 5 bilhões. O valor supera os US$ 3,7 bilhões que o País exportou aos vizinhos em 2015, segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. “A única saída para que a Venezuela consiga sobreviver à crise é a convocação de um referendo”, diz o cientista político Rui Tavares Maluf.
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