Um sem-teto avalia a possibilidade de tentar a ocupação do endereço mais cobiçado de Brasília: o Palácio do Planalto. Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, de 35 anos, é o mais novo pré-candidato à Presidência da República. E vem sendo tratado como o “outsider” da esquerda para a disputa de 2018. No caso, da extrema esquerda.
Boulos ainda não admitiu que vai concorrer. Mas também não nega essa possibilidade. Ele tem convite de lideranças do PSol para ser o candidato do partido. Conta ainda com simpatizantes de peso na classe artística, que podem virar cabos eleitorais: Caetano Veloso, Wagner Moura, Sonia Braga, Monica Iozzi, Seu Jorge, Criolo, Péricles, Maria Gadú (todos eles confirmaram presença no show pelos 20 anos do MTST, no próximo dia 10, em São Paulo; ou estão divulgando a causa dos sem-teto).
E também já tem um “programa de governo”. Na última segunda-feira (27), o Vamos!, uma plataforma de discussões da Frente Povo Sem Medo, da qual Boulos é um dos líderes, lançou um plano para o país. As propostas incluem medidas como a reestatização de setores como o de telefonia, a revogação de todas as reformas do governo Temer e o aumento de impostos pagos pelos ricos.
Quem é Boulos, o filho de família abastada que decidiu morar num acampamento
Guilherme Boulos não é propriamente um sem-teto. Ele é filho de uma família com recursos – o que o leva a ser criticado por ser um ativista social “riquinho”. Seu pai é um dos mais renomados infectologistas do país, Marcos Boulos – professor de Medicina na Universidade de São Paulo (USP). Ele próprio tem diploma universitário e de pós-graduação. É formado em Filosofia e tem mestrado em Psiquiatria pela USP.
Apesar disso, Guilherme Boulos demonstra coerência com a opção de vida que fez. Aos 19 anos, saiu de casa para viver num acampamento de sem-teto. Conheceu sua mulher no movimento. E mora num bairro da periferia de São Paulo com ela e as duas filhas que o casal teve.
Atualmente, Boulos é o que os principais expoentes dos sem-terra – como João Pedro Stédile e José Rainha – foram nos anos 1990: o líder que consegue arregimentar multidões, ocupa áreas, atrai os olhares da imprensa para sua causa e a simpatia de intelectuais e artistas, e força os governos a negociar.
A luta pela reforma agrária arrefeceu, mas o problema da habitação urbana cresceu junto com as cidades. O MTST e seu líder acompanharam essa onda. E tornaram-se atores políticos relevantes, sobretudo em São Paulo – a grande vitrine do país.
Para o líder do MTST, ocupar imóveis é um direito. Saiba por quê
Boulos tem na ponta da língua a resposta para quem o acusa de ser um agitador e invasor. Diz que a habitação é um direito assegurado na Constituição. Lembra ainda que o texto constitucional determina que a propriedade privada tem de cumprir uma função social. Assim, diz o líder do MTST, propriedades privadas que não são usadas não cumprem a Constituição. E ocupá-las para assegurar a moradia, no entendimento dele, é um direito. Boulos faz questão de dizer que ocupação não é invasão (termo que demonstra ilegalidade).
O ativista também usa números para justificar as ocupações: o déficit habitacional no país é pouco superior a 6 milhões de unidades; e há 7 milhões de propriedades urbanas sem utilização no país.
Mas a “democratização” da propriedade urbana defendida pelo MTST é alvo de inúmeras críticas. O Ministério Público de São Paulo já definiu o movimento como uma “indústria de ocupações” que funciona da seguinte forma: ao montar um acampamento, o movimento pressiona o poder público a furar a fila de programas habitacionais e privilegiar os integrantes do MTST. Desse modo, o movimento cresce porque quem adere a ele é beneficiado. Seria uma tática de “faca no pescoço”.
De um lado, há quem diga que essa é uma forma de pressão legítima para agilizar os governos a desenvolveram projetos habitacionais populares. Porém, os críticos dizem que a tática de colocar outras pessoas na frente da fila por moradia não obedece ao princípio democrático da igualdade de direitos.
Proximidade com o PT. Mas não alinhamento automático
Guilherme Boulos e o MTST têm relação de proximidade, mas não de alinhamento automático, com partidos de esquerda – inclusive com o PT. O ex-presidente Lula inclusive está tentando, sem sucesso, fazer com que Boulos desista de ideia de lançar sua candidatura para evitar a divisão da esquerda.
O líder dos sem-teto, aliás, costuma ser crítico do Partidos dos Trabalhadores. “O PT apostou durante 13 anos numa estratégia de conciliação com as forças políticas mais atrasadas em nome da ‘governabilidade’. E, embora essa aposta tenha sustentado três mandatos na Presidência da República, cobrou um preço elevado. O preço foi não fazer o enfrentamento com um sistema político falido, mantendo os esquemas de sempre”, disse Boulos em artigo publicado em julho de 2016 no jornal Folha de S.Paulo. Para ele, o programa Minha Casa Minha Vida, “menina dos olhos” dos governos do PT, apenas enxuga gelo.
Porém, Boulos considera que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe. E ele costuma defender Lula do que considera ser “ataques brutais” da Lava Jato e da mídia contra o ex-presidente.
O “plano de governo” de Boulos: flerte com o socialismo
O coordenador nacional do MTST não esconde sua inclinação pelo socialismo. Na adolescência, fez parte da União da Juventude Comunista. Quando o líder cubano Fidel Castro morreu, em 2016, disse que a história o absolveu. Uma das ocupações do movimento, em Guarulhos (SP), foi batizada com o nome do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez – defensor do “socialismo do século 21”.
Várias propostas para o país do Vamos!, movimento do qual Boulos faz parte, é estatizante, antimercado e com um forte viés socializante. Não há, por exemplo, a defesa do fim da propriedade privada. Mas o Estado ficaria maior e mais interventor na economia. E quem pagaria a conta, de acordo com as propostas, seriam os segmentos da sociedade com mais renda.
O Vamos! prega a necessidade de um pacote de medidas emergenciais para recuperar o emprego e a renda. O governo usaria suas reservas internacionais e o compulsório dos bancos (dinheiro, na verdade, dos correntistas) para fazer investimentos públicos que movimentem a economia. O plano ainda prevê a redução drástica da taxa de juros – prática antimercado. E o controle estatal de câmbio e capitais. Também haveria a ampliação do crédito para a população com menor renda e pequenos empreendedores, possivelmente por meio de bancos públicos.
O plano econômico do grupo de Boulos ainda prevê a reestatização de “setores estratégicos” (telefonia, energia, abastecimento de água e mineração). E a revogação de todas as reformas do governo Temer: a PEC do Teto de Gastos Públicos, a reforma trabalhista, a lei das terceirizações e a reforma da Previdência (caso venha a ser aprovada). A Lei de Responsabilidade Fiscal também seria revogada para permitir que o Estado fizesse mais investimentos.
fonte: Gazeta do Povo
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