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O que faz de Marília Mendonça, rainha da sofrência, a artista mais popular do Brasil

Resultado de imagem para solo. PUBLICIDADE À pergunta de como consegue se relacionar com uma agenda tão cheia, Marília Mendonça respondeu com um muxoxo: “Não consigo, não é?”. Classificando-se como grande ciumenta, riu quando uma de suas declarações foi evocada. Disse que não gosta de que os namorados tenham amigas, sem reconhecer que a prática pode ser considerada algo comum em relacionamentos abusivos. O motivo alegado para o fim do noivado, no entanto, foi sua idade: “Marília se sente muito nova para um relacionamento tão sério”, dizia uma nota da assessoria na época do rompimento, sem entrar em detalhes. Por mais que os 22 anos de idade e os três de carreira não sejam muitos, o futuro musical da cantora mais ouvida do Brasil, segundo o especialista André Piunti, já está consolidado. Para ele, o diferencial que assegura a Marília um lugar cativo à frente dos outros artistas no sertanejo é a junção de voz e composição apurada, o que costuma ser raro no gênero. Se é verdade que, no último disco em parceria com as colegas de feminejo, Piunti já vê algumas mudanças na figura da cantora, que “está ficando mais séria”, ele garante que o estilo de Marília Mendonça continua único no feminejo, algo que consegue se comunicar muito bem com o público. Se depender dela, a receita do sucesso é visível. Na metade da apresentação em Votorantim, Marília Mendonça deixou o palco quando dois cantores de apoio assumiram o show. Após dez minutos de funks acompanhados sem muita empolgação pelo público, Marília voltou, encarou os mais de 10 mil presentes e disparou com a voz grossa, antes de continuar com suas composições, para alegria geral: “Vocês querem é sofrência? Então toma!”. Leia mais: https://epoca.globo.com/o-que-faz-de-marilia-mendonca-rainha-da-sofrencia-artista-mais-popular-do-brasil-22880377#ixzz5LGd1TVxO stest

Com 4,7 bilhões de visualizações no Youtube, a rainha da sofrência faz uma multidão entoar junto canções sobre fossa, traições e porres. Com 20 shows por mês, os negócios ao redor da cantora geram quase R$ 10 milhões mensais

Passavam das 23 horas em Votorantim, interior de São Paulo, quando a artista musical mais ouvida do país chegou ao ponto alto de seu show. Em frente a 10 mil pessoas, as luzes do palco apagaram, um globo espelhado foi posicionado e um piano de cauda começou a ressoar os primeiros acordes em tom de tristeza. A toada lenta e o ambiente sombrio ganharam vida quando uma voz forte e grave rompeu a pausa projetada pelo instrumento: “Exagerado, sim”, disse o primeiro verso, enquanto centenas de luzes refletidas pela esfera de vidro iluminaram a estrela da apresentação. A canção seguiu num crescendo ritmado até que explodiu no refrão, quando todas as desilusões amorosas do público pareceram se unir em uma só voz: Não finja que eu não tô falando com você/Eu tô parado no meio da rua/Eu tô entrando no meio dos carros/Sem você a vida não continua, gritou a cantora. Se ao fim da música a sertaneja Marília Mendonça precipitou centenas ao choro e a lembranças irracionais de ex-parceiros, é porque entregou o que pagaram para ouvir e fez jus ao epíteto que ganhou após o sucesso: Rainha da Sofrência.
Depois de “De quem é a culpa?”, a cantora tentou levantar o ânimo do público. “Ninguém aguenta tanta sofrência!”, brincou ela, após entoar covers de Anitta e Pabllo Vittar. O estrago, no entanto, já havia sido feito. Muito antes dos acordes de piano no fim da apresentação, o público foi exposto a dezenas de situações musicadas em que histórias de traição, saudade e términos conturbados ditam as composições que lhe renderam 4,7 bilhões de visualizações no YouTube, maior marca do país. Com apenas 22 anos e menos de três de carreira como cantora, ninguém naquela noite de junho queria ouvir algo diferente das lamentações de Marília Mendonça, ainda que ela ameaçasse, algumas vezes, parar de “fazer a plateia sofrer”. “NÃO!”, respondia a legião com um grito único, expressando um incauto desejo pelo sofrimento. Por mais que a cantora houvesse imposto três regras ao começo da apresentação — “não pode chorar, não pode vomitar e não pode ligar para o ex” —, não é de estranhar que, a cada sucesso, todas elas tenham sido infringidas dezenas de vezes, talvez simultaneamente, por uma série de motivos pessoais e algum exagero alcoólico. Além do show em Votorantim, as outras apresentações acompanhadas por ÉPOCA no Rio de Janeiro e em Volta Redonda, interior fluminense, seguem a mesma receita de sucesso, que rende quantias em torno dos R$ 300 mil por noite, fora os gastos com transporte e alimentação, geralmente bancados pela produção do evento.


Com 20 shows por mês, os negócios ao redor de Marília geram quase R$ 10 milhões mensaisFoto: Pedro Farina

Marília Dias Mendonça é uma jovem adulta de cabelos louros, bochechas salientes, sorriso largo e voz grave. Quando apareceu para a entrevista em uma saleta de hotel, já preparada para se apresentar dali a pouco no interior paulista, de blusa, calças, sapatilhas e tailleur pretos, a falta de pompa ao tratar os membros da equipe e a seriedade do visual remetiam a uma cantora ainda indecisa sobre a imagem que quer ter — se “brincalhona”, como sugerem suas contas nas redes sociais, ou “madura e vivida”, como apontam suas composições. Cercada de assessores e membros da produção, a primeira coisa que se percebe é que a reeducação alimentar seguida pela cantora, que a fez perder cerca de 15 quilos e rendeu críticas de fãs, de fato deu resultado.

Desde o começo marcada pela fuga dos padrões de beleza, Marília Mendonça adotou um discurso de aceitação que foi posto em xeque por alguns seguidores depois que surgiu mais magra no início de maio, mudança anunciada em uma postagem curtida 870 mil vezes em seu Instagram. “Eu estava com altos níveis de colesterol, triglicérides, gordura no fígado e baixa imunidade”, disse ela. Reconheceu ter se irritado com os boatos de que teria se submetido a uma cirurgia bariátrica, além das acusações de ter se adequado aos padrões estéticos. “Eu não teria defendido a aceitação do corpo desde o começo só para ter feito isso agora”, declarou alguns minutos antes de seguir em uma van até o local do show, escoltada por duas motos da polícia. A saúde problemática era resultado da rotina exaustiva que levava, com até 25 shows por mês. Hoje diminuiu a agenda para uma quantidade entre 18 e 20 shows, o que assegura ao menos dois dias de folga na semana, que costuma passar com a família em Goiânia.
Para atender à demanda de apresentações, a produção do show de Marília envolve um jatinho particular, uma equipe com 37 pessoas — todos homens, incluindo dois pilotos e três motoristas —, um ônibus e uma carreta. De Votorantim, Marília seguiria nos dias imediatamente posteriores para o rodeio de Americana, também interior paulista, e depois para Manaus, onde um serviço de produção extra teve de ser contratado. A assessoria da cantora não revelou, mas é provável que os negócios ao redor de Marília, incluindo shows, direitos e parcerias, tenham faturamento próximo dos R$ 10 milhões por mês.

Marília Mendonça costuma explicar o sucesso pelo teor do que canta. Diz que a realidade — nome, aliás, de seu segundo disco, cuja gravação ao vivo reuniu 40 mil pessoas em Manaus — presente nas letras tem grande responsabilidade. Ainda que o título de Rainha da Sofrência seja algo a que diz ter se acostumado, é impossível desassociar o sofrimento da figura de Marília quando afirma, poucos minutos antes de cantar para a multidão em Votorantim, que, em seus relacionamentos, “deu tudo errado, toda vez”. Em mais de uma entrevista afirmou ter sido traída pela primeira vez em sua primeira relação amorosa, aos 13 anos.
Natural de Cristianópolis, cidade a 90 quilômetros da capital goiana onde foi “só para nascer”, em razão de ser a cidade onde trabalhava um médico amigo do pai, Marília Mendonça seguiu com poucos dias de vida para Goiânia, que concentra grande parte do mercado da música sertaneja no país. Durante a pré-adolescência, Marília odiava o gênero, preferindo canções de pop rock. Já cantando na igreja, rabiscou algumas letras que ainda não evocavam o estilo musical que a faria famosa. Quem a colocou no caminho da sofrência foi o cantor e compositor Eduardo Marques, amigo mais velho com quem chegou a formar a dupla Marília & Eduardo por menos de um ano, entre 2009 e 2010. O trabalho de convencê-la a adotar o estilo musical mais consagrado na região, que Marques garantiu ter sido árduo, envolveu uma praga. “Eu brincava, dizendo: ‘Marília, você só vai começar a cantar sertanejo depois de levar um chifre’”, disse ele, que hoje trabalha como pintor na Irlanda. A desilusão veio pouco tempo depois, e a jovem, que já arranhava acordes no violão, começou a compor os primeiros versos em ritmo sertanejo.


Faz quase 40 anos que a música sertaneja ganhou força de mercado no Brasil, sempre com um repertório sofrido sobre paixões rasgadas. O gênero atingiu maior alcance nacional nos anos 1990, mas artistas como Michel Teló e a dupla Jorge & Mateus, garotos com pouco mais de 20 anos que usavam referências jovens nas letras, fizeram-no renascer no fim dos anos 2000. Se o chamado sertanejo universitário está até hoje entre os gêneros mais ouvidos do país — dos cinco artistas nacionais mais populares no Spotify em 2017, quatro, entre eles Marília, representam esse estilo musical —, é fato que o ramo nunca deu muito espaço para cantoras. Até que, no fim de 2015, Marília Mendonça, então com 20 anos, gravou Marília Mendonça ao vivo, marcando o início do subgênero que é a última novidade da música sertaneja. Nele, mulheres tomam a palavra e contam sua versão das histórias de amor — é o chamado feminejo.
Para uma plateia quase vazia, a apresentação inicial, gravada modestamente em um estúdio paulista, já deixava claro a que vinha a cantora. Das 17 músicas do disco, em 15 Marília cantava sobre ser traída e expulsar o namorado de casa; sobre ser amante e ter ciúmes da mulher do adúltero; sobre ligar para o porteiro e barrar a entrada do ex-namorado no prédio; sobre receber mensagens do ex às 4h15 da manhã e rejeitar a reconciliação; sobre querer saber se a parceira atual do antigo namorado é tão boa quanto ela na cama; sobre ter uma recaída e admitir que o casal só funciona “entre quatro paredes”; sobre ter saudade do último amado e desejá-lo de volta sem sucesso; sobre amaldiçoar, por fim, todos os seus relacionamentos anteriores e futuros. Cada tema desses é uma música diferente, e às vezes o mesmo assunto aparece em mais de uma canção.
Por mais que o sucesso do disco tenha vindo rapidamente, para alcançá-lo foi necessária uma estratégia de lançamento diferente, que envolveu investir primeiro no Nordeste brasileiro, onde a presença de mulheres no forró, no brega e na axé music é mais comum. Marília realizou várias apresentações nessa região até conseguir atingir os bastiões mais tradicionais do gênero no país, como o Centro-Oeste. Junto dela, outras sertanejas começaram a aparecer, várias mais experientes, como as duplas Maiara & Maraisa e Simone & Simaria, as últimas vindas do forró. A popularidade dessas artistas, maiores nomes do feminejo no país, alavancou-se conjuntamente até estourar em meados de 2016. Segundo a Playax, empresa que coleta dados do mercado musical no país, os números de Marília em plataformas digitais — como Spotify, Deezer e YouTube —, além de suas execuções em mais de 5 mil rádios no país, de seu desempenho nas redes sociais e do engajamento que consegue por meio delas, colocam a sertaneja hoje em primeiro lugar entre os artistas mais populares do Brasil.
O grande sucesso do primeiro disco, que apresentou Marília Mendonça para a maioria das pessoas, é “Infiel”, composto por ela. A letra, que desafia o tal infiel a “morar no motel”, teve como inspiração uma tia que viveu situação parecida em Goiás, mas, ao contrário da história da música, não chegou a terminar o casamento após os flagras. A mãe de Marília Mendonça, a dona de casa Ruth Dias, foi traída pelo padrasto da cantora quando esta era adolescente.
Para esses exemplos, desde a falta de representatividade na música sertaneja até a indignação com a sorte amorosa da tia e da mãe, Marília Mendonça se inclinou na cadeira antes de dar uma resposta clara: “Quis colocar em minhas músicas exemplos para que outras mulheres seguissem. Por isso é que meu feminismo é um feminismo de atitudes”.





No fã-clube As Cariocas da Marília, todas as 13 integrantes são mulheres. Às 10 horas de um domingo na Marina da Glória, centro do Rio de Janeiro, quatro delas já estavam na fila de entrada de um show que só começaria pouco depois das 21 horas, fechando o terceiro e último dia do festival Sertanejo in Rio. Anne, Nayana, Ana Carolina e Patrícia estavam uniformizadas com camisetas, bolsinhas, mochilas, toalhas de rosto e outros apetrechos personalizados com o nome do grupo, sem dar o mínimo sinal de cansaço. “A gente tá acostumada com coisa muito pior”, disse Anne Monteiro. Com 37 anos e contando com o emprego em uma importadora para bancar os ingressos, esse seria seu 15º show, sem contar as oito gravações de programas de TV em que também viu Marília.
As cariocas resolveram chegar cedo por um motivo claro: se Marília não as enxergasse à beira do palco ao entrar cantando “Ei, saudade”, não valeria a pena ter gasto os R$ 200 do ingresso para a pista premium nem ter saído de casa. Estavam ali para ver sua “ídola”, é claro, mas, após tantas apresentações e um nível tão alto de envolvimento, estavam ali principalmente para ser vistas, torcer por alguma menção durante o show e, ao fim, encontrá-la por alguns segundos no camarim.

O fanatismo das quatro enfrentou um rol de provações. Para estar ali, Nayana Cristina, pizzaiola de 24 anos no Méier e mãe de dois filhos, chegou a ser demitida. Morena e baixinha, desafiou a patroa quando se negou a trabalhar num domingo para ir ao show. A ousadia foi suficiente para custar-lhe o emprego, situação que acabou se revertendo após alguns dias de reflexão da chefe. Ligando seus ombros pelas costas, uma tatuagem exibe um dos versos de “De quem é a culpa?”: “É tipo um vício que não tem mais cura”.
Ana Carolina, cuidadora de 30 anos em Niterói e mãe de dois filhos, mostrava-se um tanto abalada naquela manhã. Depois de algum tempo desempregada, finalmente conseguira serviço na semana anterior, mas faltava ao primeiro plantão para ir ao show. A decisão fez o marido, pai da filha de 13 anos, sair de casa em protesto e sem pistas de que planejava voltar. Separada do amado, ela veria a apresentação em um impasse com o atual parceiro, o que aumentava a carga emocional já envolvida nas canções de temática parecida. Patrícia Alves, operadora de telemarketing de 28 anos, fechava o quarteto dizendo já ter deixado de pagar a escola do filho para comprar ingressos.
O motivo de tanto esforço e temeridade, todas disseram, estava nas letras de Marília Mendonça, o que foi sintetizado por Ivone Silva, presidente do fã-clube, que chegou mais tarde — tendo pago, sim, uma colega para rendê-la no posto de cuidadora após o meio-dia: “Muitas mulheres aceitam situações que não deviam, e ouvir Marília dá vontade de não abaixar a cabeça. Já fui traída e sei exatamente do que ela está falando”, disse a mãe de dois filhos que mora em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Após o meio-dia, o marasmo da sesta só mudou quando surgiu um homem de bandana, óculos escuros, bermuda cargo, pele queimada de sol e uma camiseta com os dizeres “Fã-Clube Rainha da Sofrência”, colocando no celular o último sucesso de Marília até então, a música “Ausência”. As meninas ouviram e acompanharam a cantoria. Com 53 anos, Marcos Mendonça, sem relação de parentesco com Marília Mendonça, foi o primeiro fanático do sexo masculino a aparecer. Ao apontar para uma garrafa de 2 litros cheia com uma mistura de cachaça com catuaba e que bebericava de vez em quando, o homem corpulento afirmou, sem jamais tirar os óculos escuros: “A relação de Marília com o público é com a música e a cachaça”.
Fazendo referência a outra canção da sertaneja, Marcos, que trabalha no ramo de construção de estruturas metálicas, definiu seu coração como “mal-assombrado”. Segundo ele, a cantora foi a primeira mulher de quem se tornou fã, porque representava as dores de amor, depois de ter “traído muito” e acabar sozinho, sempre à procura de uma nova parceira. Quando o assunto é representatividade, Marcos disse acreditar que as músicas de Marília Mendonça são “para mulher, mas atingem os homens” e que a sofrência é algo que gosta muito de sentir, independentemente do sexo de quem canta. Seu sonho, disse, é tomar “dois dedos de cachaça” com Marília, o suficiente, segundo ele, para afogar as mágoas com a cantora que garante ser “boa de copo”.

Eduardo Marques, parceiro de Marília Mendonça na antiga dupla Marília & Eduardo, disse estar desapontado em relação ao que chama de “ingratidão” da cantora, por jamais ter reconhecido em público que ele a apresentou ao mundo do sertanejo. Na época em que a conheceu, em 2009, Marília morava em uma casa simples e, segundo contou, passava por dificuldades financeiras. Já separada do pai de Marília, Mário Mendonça, que veio a falecer pouco depois, a mãe, dona Ruth, teve dificuldade para pagar o aluguel após se separar do padrasto de Marília Mendonça, em resposta à descoberta de uma traição.
Por mais que o antigo parceiro diga que nessa época Marília não sabia mais que “arranhar um violãozinho”, seu talento com a voz e com as letras era inegável: “Insisti que ela tentasse se profissionalizar, porque vi que ela levava jeito cantando e sabia que escrevia bem”, disse ele, por telefone, da Irlanda.
Se Marília já tinha talento para as letras, isso não demorou a ser percebido por figurões do mercado sertanejo, chamando a atenção dos empresários da dupla João Neto & Frederico, no escritório de Wander Oliveira, da WorkShow. Hoje uma enorme fábrica de agenciamento de sucessos do sertanejo, como Naiara Azevedo e a dupla Maiara & Maraisa, na época o escritório ainda começava a despontar no mercado nacional e procurava compositores para seus artistas já lançados no show business. Na voz da dupla João Neto e Frederico, então um dos carros-chefes da empresa, algumas composições de Marília Mendonça tornaram-se sucesso, como “Crime perfeito”, lançada quando tinha 16 anos. A cantora lembra bem que, com essa última, ganhou sua primeira quantia de respeito na música sertaneja, que usou para presentear a mãe com um “Celtinha velho”.
Nos anos seguintes, o nome de Marília começou a aparecer como compositora em discos de vários artistas sertanejos de sucesso, entre eles Jorge & Mateus, Henrique & Juliano, Maiara & Maraisa. Apesar de já conseguir se manter suficientemente bem só com as composições, Marília não se dava por satisfeita: queria cantar e fazia questão de insistir nisso com seus empregadores. Até lançar Marília Mendonça ao vivo, a conversa entre as figuras do mercado sertanejo era que Marília Mendonça poderia ser mais uma promessa de cantora estrategicamente mantida apenas como compositora.
André Piunti, especialista no gênero e dono do blog Universo Sertanejo, afirmou que a prática não é incomum no meio. Antes de Marília Mendonça e suas parceiras no feminejo, poucas mulheres já haviam feito sucesso no ramo, como Roberta Miranda e, mais recentemente, Paula Fernandes. O paralelo com Roberta, aliás, é sintomático: “Roberta surgiu como uma ótima compositora, mas era preterida enquanto cantora, porque queriam que ela só escrevesse para outras pessoas. As histórias dela e de Marília são parecidas, uma vez que, depois de alguma insistência, as duas quebraram o paradigma quando começaram a cantar”, disse ele. Sobre o assunto, Marília Mendonça prefere pegar leve com o ramo, dizendo que só sofreu preconceito por representar “algo novo” e não exatamente por ser mulher.
Em um gesto raro para artistas vindos do sertanejo, o que acompanha a opinião de Piunti, Marília também ganhou a simpatia de nomes consolidados da MPB a partir de suas composições. É esperado que a cantora baiana Gal Costa grave em seu próximo disco uma música de Marília Mendonça especialmente encomendada. Ainda não há pistas que indiquem que a letra seguirá o roteiro típico das canções de sofrência, mas, segundo Alexandre Kassin, músico e produtor que já trabalhou com artistas como Caetano Veloso, Vanessa da Mata e Jorge Mautner, o sofrimento é apenas um detalhe na carreira de Marília. Acompanhando com atenção o cenário sertanejo, ele disse se impressionar com a sofisticação técnica que o estilo vem ganhando a partir de sua “possibilidade industrial”. Acredita que o sucesso de Marília Mendonça transcende as limitações de classificações musicais: “Ela é uma cantora e compositora de grande talento que, por acaso, está fazendo músicas de sofrência”. Mais que uma simples competição entre gêneros musicais, Kassin vê o fenômeno do feminejo com entusiasmo. Ele disse que não entende pessoas no ramo, seja na MPB ou não, que ainda têm algum tipo de resistência ao que classifica como música pop. Afirmou que o mais surpreendente na recente evolução do sertanejo não é seu enorme sucesso, mas uma “fatia cultural brasileira” ainda ver esses fenômenos com certa distância.
Depois do “Celtinha velho”, do surgimento como cantora e das 40 mil pessoas na gravação de Realidade, em Manaus — tudo em um intervalo de seis anos —, a vida material de Marília também mudou um bocado. A casa simples em que morava de aluguel no Parque Amazônia, bairro no sul de Goiânia, ainda exibe o mesmo portão gasto e muro sem reboco. Um bairro de classe média baixa à época de Marília Mendonça, a região tem visto seu visual e seus preços mudarem lentamente a partir de uma crescente especulação imobiliária que fez surgir condomínios verticais. Apesar de já não morar nessa porção da capital, Marília ainda é lembrada por alguns moradores: o proprietário do Skinão Bar e Lava-Rápido disse ter orgulho em ter lhe servido cerveja quando ela ainda não era famosa, e uma funcionária no Posto Bom Sucesso afirmou se lembrar muito bem de quando Marília Mendonça tocava em seu estabelecimento sem receber cachê.
Assim como outros sertanejos famosos que vivem na cidade, entre eles Leonardo, Eduardo Costa e as colegas de feminejo Simone & Simaria e Maiara & Maraisa, Marília atualmente mora em uma casa dentro de um dos vários condomínios de luxo que cercam Goiânia. Os imóveis, que costumam ter piscina, diversos quartos e andares, não raramente superam os milhões de reais e são os mais cobiçados da cidade. Para além das fronteiras do município, a cantora recentemente comprou uma chácara em Aparecida de Goiânia, zona metropolitana da capital — o valor divulgado pela imprensa, de R$ 2 milhões, é contestado pela assessoria da cantora. Ainda que o local em que more hoje seja diferente daquele em que vivia no Parque Amazônia, em ambos Marília Mendonça teve o mesmo problema com vizinhos: no início da carreira, afirmou, reclamavam de suas cantorias e no endereço atual reclamam do som alto, pelo qual já recebeu notificações formais. Rindo das faltas do presente e brincando com as implicâncias do passado, ela disse com uma ponta de revanchismo: “Antes reclamavam, hoje pagam para ir ao meu show”.
Os shows de Marília Mendonça raramente passam dos 90 minutos e seguem um modus operandi que muda muito pouco entre uma apresentação e outra. Tanto no Rio quanto em Votorantim e Volta Redonda, a sequência de músicas foi quase idêntica, começando com “Ei, Saudade” e terminando com um medley que junta todos os refrãos de Marília Mendonça ao vivo. Ao contrário do show anterior, de Wesley Safadão, que fez o público pular com canções sobre noitadas e farras, quando Marília Mendonça sobe ao palco, os fãs se põem em ritmo mais lento e emocionado.
O roteiro já começara com a chegada de Marília Mendonça ao local, saindo da van e entrando no camarim rapidamente. Com uma grande variedade de comida e bebida disponível, Marília esperou até começar o “atendimento”: fãs selecionados tiveram alguns segundos para encontrá-la e tirar uma foto. As reações ao encontro foram diferentes: três adolescentes, ao superar uma cortina na entrada da saleta, desviaram o rosto com vergonha ao encarar Marília pela primeira vez, como se vislumbrá-la por muito tempo fosse um gesto herético. Já Marcos Mendonça foi recebido com um “esse é meu fã mais cachaceiro”, em uma saudação de duas pessoas que já se viram outras vezes na mesma situação. Depois do atendimento, Marília Mendonça teve mais um tempo de introspecção até subir ao palco. Durante esse pequeno período em Volta Redonda, fumou um cigarro e rezou silenciosamente. Quando acabou a última música, antes que os instrumentos parassem de tocar, Marília Mendonça já estava dentro da van em direção ao hotel, ao jatinho ou à próxima cidade.
São poucas as pessoas que acompanham Marília em quase todas as situações, desde o quarto de hotel até as viagens aéreas com número de passageiros reduzido — o resto da equipe vai em voos comerciais ou de ônibus. Eduardo Guimarães, seu maquiador, é uma delas. Depois que começou a trabalhar com a cantora diariamente, há quase dois anos, disse ter “renascido”. Além do reconhecimento profissional, o trabalho também rendeu ao paulista dois fã-clubes e um enorme apego emocional à cantora. Em voz baixa no camarim, ele disse que Marília Mendonça pode se indispor um bocado com a agilidade de sua agenda, preferindo se isolar quando isso acontece.
Se tem algo que Marília disse odiar, no entanto — e que seu maquiador confirmou —, é se locomover de van entre os destinos. Aos trajetos, que classificou como suplício, a goiana ao menos já conseguiu se acostumar um pouco, mas à solteirice, não. Desde que desfez em agosto de 2017 o noivado com o produtor de eventos paraibano Yugnir Ângelo, um relacionamento que já durava quase dois anos, está solteira e disse não se sentir muito bem com isso, balançando a cabeça enquanto fala. Na época do rompimento, fãs não tiveram vergonha de comemorar ironicamente: Marília Mendonça triste era sinônimo de mais sucessos de sofrimento por vir. De lá para cá, depois de Realidade, lançou com Maiara & Maraisa o disco Agora é que são elas 2, mas ainda não há previsão de um próximo trabalhosolo.

À pergunta de como consegue se relacionar com uma agenda tão cheia, Marília Mendonça respondeu com um muxoxo: “Não consigo, não é?”. Classificando-se como grande ciumenta, riu quando uma de suas declarações foi evocada. Disse que não gosta de que os namorados tenham amigas, sem reconhecer que a prática pode ser considerada algo comum em relacionamentos abusivos. O motivo alegado para o fim do noivado, no entanto, foi sua idade: “Marília se sente muito nova para um relacionamento tão sério”, dizia uma nota da assessoria na época do rompimento, sem entrar em detalhes.
Por mais que os 22 anos de idade e os três de carreira não sejam muitos, o futuro musical da cantora mais ouvida do Brasil, segundo o especialista André Piunti, já está consolidado. Para ele, o diferencial que assegura a Marília um lugar cativo à frente dos outros artistas no sertanejo é a junção de voz e composição apurada, o que costuma ser raro no gênero. Se é verdade que, no último disco em parceria com as colegas de feminejo, Piunti já vê algumas mudanças na figura da cantora, que “está ficando mais séria”, ele garante que o estilo de Marília Mendonça continua único no feminejo, algo que consegue se comunicar muito bem com o público.
Se depender dela, a receita do sucesso é visível. Na metade da apresentação em Votorantim, Marília Mendonça deixou o palco quando dois cantores de apoio assumiram o show. Após dez minutos de funks acompanhados sem muita empolgação pelo público, Marília voltou, encarou os mais de 10 mil presentes e disparou com a voz grossa, antes de continuar com suas composições, para alegria geral: “Vocês querem é sofrência? Então toma!”.


fonte: Época

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ELAS

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O estapafúrdio contrato “ultraconfidencial” entre o Butantan e a Sinovac, que não especifica valor entre as partes

  O contrato que o Instituto Butantan, dirigido por Dimas Tadeu Covas, que diz não ter relação de parentesco com Bruno Covas, prefeito de São Paulo, e o gigante laboratório chinês Sinovac, acreditem, não determina quantidade e valor unitário da vacina. A grosso modo, o contrato beneficia apenas um lado no acordo: o chinês. As cláusulas do contrato, anunciadas, em junho, como “históricas” pelo governador de São Paulo, João Dória, revelam outras prioridades que, obviamente, não tem nada a ver com a saúde da população do Brasil, como o tucano chegou a afirmar para o presidente Jair Bolsonaro, quando fazia pressão para o chefe do executivo liberar a vacina no país. A descoberta ocorre na semana em que os testes com a vacina foram suspensos devido ao falecimento de uma voluntária, cujo motivo da morte – sequer – foi informado pelo Butantan à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que é o órgão de proteção à saúde da população por intermédio de controle sanitário da produção e co