Em entrevista com a colunista Camila Abdo, o Dr. Eduardo Cabette afirmou que relações políticas entre presidente da OAB e políticos de carreira podem “conspurcar até mesmo a credibilidade da OAB, bem como ferir as convicções de muitos de seus próprios membros”.
Abaixo a entrevista completa.
1) Dr., como a OAB foi institucionalizada?
Em 1838, com inspiração na “Associação dos Advogados de Lisboa”, foi criado no Brasil o Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), que seria o embrião da futura Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Já em 1843 foi prevista pelo próprio Instituto a criação da OAB, mas esta somente vem a ser realmente instituída no ano de 1930, isso por meio do Decreto n. 19.408, de 18 de novembro de 1930, da lavra do então Presidente da República, Getúlio Vargas. Sua criação tem por objetivo a defesa dos interesses e prerrogativas dos advogados, bem como a regulamentação da profissão de advogado. Hoje a OAB é regulada pelo seu Estatuto (Lei 8.906/94), bem como por seu Código de Ética aprovado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
2) O presidente da OAB/DF e sua equipe podem ter lado político?
É claro que o Presidente da OAB de qualquer localidade, bem como sua equipe ou, ainda mais genericamente, qualquer advogado, têm total liberdade para exercer sua consciência e pensamento político, inclusive para sua manifestação. Já a OAB é uma entidade que deveria zelar pelo cumprimento das disposições legais e constitucionais com o máximo de isenção possível. Porém, só as pessoas absolutamente ingênuas, acreditam que seja possível uma atuação, seja por parte de uma pessoa ou de um grupo organizado, absolutamente e exclusivamente técnica. Essa é uma ilusão utópica que nasce e se perpetua com o Positivismo que até hoje exerce grande influência em todos os meios. Entretanto, há uma enorme diferença entre existir uma posição, um pensamento ou até uma convicção política e a atuação enviesada em franca oposição ou apoio a determinado governo, partido, ideologia etc. Quando uma entidade como a OAB, por exemplo, passa a atuar dessa forma, há então um desvirtuamento de sua natureza, pois embora seja comumente identificada por uma sigla de letras (OAB), não é jamais uma espécie de Partido Político (v.g. PT, PSDB, PSOL, PSL, PDT etc.). Também é preciso ter consciência clara de que a OAB ou qualquer outra instituição não é um ente capaz de ação. São atores apenas os seus componentes, cada advogado e os dirigentes. Portanto, não se deve confundir o ente ideal com o agente pessoal. De qualquer forma, o que se espera da OAB, por meio de seus componentes, é uma atuação sempre pautada na legalidade e constitucionalidade, ainda que haja alguma preferência política – ideológica inevitável.
3) Como o presidente da OAB é escolhido?
As normas eleitorais são estabelecidas no Estatuto da OAB, no Regulamento Geral da Ordem e no Provimento 146/2011. O Presidente da OAB pode ser qualquer advogado(a) regularmente inscrito(a). De acordo com o art. 63, § 2º, do Estatuto da OAB, o advogado(a) pretendente deverá estar “com situação regular junto à OAB, não ocupar cargo exonerável ad nutum, não ter sido condenado por infração disciplinar, salvo reabilitação, e exercer efetivamente a profissão há mais de cinco anos”. Satisfeitos esses requisitos deverá apresentar uma chapa, que é submetida a votação pelos integrantes da profissão inscritos nos quadros da OAB e que também estejam em situação regular.
4) Como o Sr. analisa a relação do Felipe Santa Cruz com Rodrigo Maia?
Creio que sobre esse tema o que pode ser dito é que efetivamente a OAB, por meio de seus componentes e, especialmente, de seu Presidente máximo não deve atuar como se fora integrante de um Partido, grupo ou qualquer agremiação política. A atuação política da OAB, por meio de seus legítimos representantes, deve ser aquela adequada a toda e qualquer outra entidade componente do que se pode chamar de “sociedade civil”. A promiscuidade com políticos de carreira e entidades políticas é capaz de conspurcar até mesmo a credibilidade da OAB, bem como ferir as convicções de muitos de seus próprios membros, os quais, como já destacado, são absolutamente livres para terem qualquer consciência ou pensamento político – ideológico.
5) Rodrigo Maia encomendar o impeachment do presidente a Felipe Santa Cruz não é, por parte do Maia, quebra de decoro e por parte do Santa Cruz, quebra da prerrogativa da OAB?
Na forma da Constituição Federal e da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment) qualquer cidadão pode apresentar o pedido. Dessa forma, poderia o próprio Presidente da Câmara dos Deputados fazê-lo se assim entendesse, assumindo devidamente os riscos políticos desse ato. Também poderia fazê-lo o Presidente da OAB. O que é inusitado é um pedido do Presidente da Câmara dos Deputados ao Presidente da OAB. Ora, se havia convicção a respeito, por que não realizar o pedido o próprio Presidente da Câmara? Ou, pelo menos o seu Partido? Parece que há uma espécie de utilização da OAB como instrumento. A submissão do Presidente da OAB a essa instrumentalização por promiscuidade política já criticada é altamente indesejável. Tenho dúvidas a respeito de configuração de “quebra de decoro”, mas tenho certeza que esse tipo de conduta não é moralmente digna. Quanto ao Presidente da OAB, não se pode afirmar que viole prerrogativa ao fazer um pedido de impeachment, pois que é direito de qualquer cidadão fazê-lo, o que impressiona e também é moralmente lamentável é que o diretor máximo de uma entidade como a OAB permita e até seja o autor de uma instrumentalização promíscua como essa.
6) Dr., promover debates e palestras que beneficiem encarcerados fere a prerrogativa da OAB?
A promoção de debates e palestras sobre temas que beneficiem pessoas encarceradas não fere prerrogativa ou objetivos da OAB. A OAB deve zelar pelo devido cumprimento da lei, da Constituição e Tratados Internacionais relativos às pessoas encarceradas. Não é a promoção de uma palestra ou debate em geral que pode ser algo condenável ao ser realizado por uma entidade como a OAB. A questão pode gerar polêmica de acordo com a espécie de benefício. Portanto, o problema não está no debate sobre assegurar o cumprimento de efetivos direitos dos presos, mas na formulação de eventuais proposições totalmente absurdas que impliquem até mesmo em violação da legislação e da Constituição Federal ao invés do seu devido cumprimento.
7) Dr., a OAB de Canoas, Rio Grande do Sul, está promovendo debates acerca da possibilidade do preso ter acesso a celular e internet. Como o Sr. analisa isso?
Essa indagação é certamente o prolongamento da anterior e enseja um excelente exemplo de um suposto “direito” (sic) que, na verdade, se constituiria em violação da Constituição Federal por insuficiência protetiva, bem como infração ao Código Penal, que prevê dispositivos que coíbem a facilitação, a negligência e a promoção de entrada de aparelhos de comunicação em geral, possibilitando aos presos o contato com o mundo externo. Inclusive, esse tipo de situação é o que permite que detentos continuem dirigindo o crime organizado de dentro do Sistema Prisional. Acontece que hoje isso é feito de forma clandestina e os autores podem ser responsabilizados, seja em termos penais, seja de execução penal (falta grave). Há crimes, como os dos artigos 319 –A, CP e 349 – A, CP. Sequer cogitar o acesso de presos a celulares ou quaisquer outros aparelhos no interior de Cadeias, CDPs ou Presídios como um suposto “direito” (sic) é rematado absurdo, é perversão e inversão da legislação vigente, implicando em insegurança para a população e até para os próprios detentos, eis que agressões ou até execuções podem ser determinadas por meios de comunicação com o mundo exterior. Transformar uma transgressão grave em “direito” é o que se estaria promovendo. Portanto, essa é uma defesa de “direito” (sic) que realmente não tem cabimento numa palestra ou debate da OAB ou de qualquer local. Ainda que se pretenda justificar esse tipo de permissividade com a situação de pandemia e o problema da visitação carcerária, outros meios devem ser utilizados, jamais a disponibilização de aparelhos celulares ou outros meios de comunicação externa aos detentos.
8) Encarcerado ter acesso a celular não fere o Código Penal? Se sim, qual artigo?
Sim, conforme os artigos do Código Penal que mencionei logo na resposta anterior, ou seja artigos 319 –A, CP e 349 –A, CP.
9) Como o Sr. analisa a atuação da OAB no cenário político atual?
Como foi oportunizado pelas questões anteriores, parece que a OAB está se permitindo politizar num sentido espúrio. Como já disse, não é vedado e seria mesmo impossível vedar, uma posição política aos integrantes do órgão. Mas, o que não é admissível é uma atuação em promiscuidade com políticos de carreira e na forma típica de uma organização estritamente política, quase como um partido ora de apoio ora de oposição a determinados governos. E é importante frisar que esse tipo de atuação não é desejado certamente pela maioria dos componentes da OAB, que são profissionais sérios e ciosos de sua importante função.
10) Quais são as suas considerações acerca da importância da OAB, bem como a importância dos debates promovidos por esta entidade?
A OAB é um dos organismos mais relevantes da sociedade civil, especialmente por sua vocação jurídica e de defesa da ordem constitucional e legal. Debates, cursos, palestras promovidos pela entidade são considerados no campo jurídico de grande utilidade e qualidade, mesmo porque excelentes profissionais compõem os seus quadros. A OAB, como qualquer outra grande instituição, tem o potencial de prestar relevantíssimos serviços ao país, assim como pode, ao submeter-se a perversões, prestar também, em sentido contrário, grandes desserviços.
O Doutor Eduardo Cabette é mestre em Direito, especialista em Criminologia e Direito Penal, Delegado de Polícia, professor, consultor jurídico na área Criminal, jurista, Professor Universitário de direito, escritor de livros jurídicos, Parecerista e Consultor Jurídico.
fonte: Estudos Nacionais.com
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