TELEVISÃO: À sombra de Sônia O próprio Jorge Amado disse que pensava em Gabriela e via Sônia Braga. Agora, Juliana Paes tem o desafio de viver o mesmo papel
São 8 e meia da manhã quando Juliana Paes entra no camarim do Centro de Produção da TV Globo, o Projac. Desde as 6, figurantes com roupas de época passeiam pela cidade cenográfica que representa a cidade baiana de Ilhéus da década de 1920. A atriz, de 33 anos, veste short jeans, camiseta preta e tênis de cano alto. O cabelo está preso num coque despretensioso. Na mão, um saco de pão francês. Ela divide seu café da manhã com produtores e maquiadores. Conta as últimas do filho, Pedro, de 1 ano – na noite anterior, ele levou sua primeira grande bronca e Juliana diz que chorou no banheiro depois –, e responde aos elogios sobre seu short dizendo que é uma calça velha do marido, que ela cortou. Barriga cheia, muda de roupa. O figurino moderno é substituído por vestido de chita e chinelo de couro. O cabelo, solto, é borrifado de água termal e literalmente amassado pelas mãos da própria Juliana. Em cinco minutos, o quase liso dá origem ao mar de cachos. É o cabelo natural da atriz. “Na adolescência, eu detestava”, diz. Cabelo pronto, toda a pele descoberta é besuntada pelo maquiador com um gel cor de canela. Com o tempo nublado dos dias anteriores, amorenar-se foi impossível. A sobrancelha e as unhas estão por fazer. Depilação, nem pensar – tudo de propósito. Por fim, uma flor vermelha no cabelo. Juliana virou Gabriela. A nova versão televisiva do romance Gabriela, cravo e canela, escrito por Jorge Amado em 1958, adaptado agora pelo escritor Walcyr Carrasco, colunista de ÉPOCA, estreia nesta segunda-feira, 18, com grande expectativa. Um dos motivos é Juliana Paes no papel-título. Ela é a atriz mais sensual do Brasil e encarnará a personagem mais sensual da literatura brasileira. Depois de mais de 60 edições do livro, quase 1 milhão de exemplares vendidos, uma adaptação campeã de audiência na TV e um filme de produção internacional, Gabriela virou mito. Estar na pele da “mulher de tão forte fogo, de ancas, calor, ternura, suspiros, feita de canto e dança, de sol e de luar”, como a descreve Jorge Amado, não seria para qualquer atriz. Juliana tem o desafio adicional de substituir Sônia Braga no papel. A atriz quase desconhecida que encarnou Gabriela em 1975, com apenas 24 anos, virou sinônimo da personagem. O próprio Jorge Amado (1912-2001) dizia que, depois da novela, quando pensava em Gabriela, lhe vinha a imagem de Sônia. Existiria um elogio maior? Embora não tenha sido a primeira Gabriela (em 1961, a TV Tupi levou ao ar a primeira versão em vídeo do romance, com a novata Janete Vollu como protagonista), Sônia se apropriou da personagem e a usou como escada para alçar sua carreira. Antes de Gabriela, ela estivera na montagem brasileira de Hair e no filme juvenil A moreninha. Quando passou no teste da novela, participava do infantil Vila Sésamo. Depois, tornou-se símbolo sexual e explodiu. Virou protagonista de horário nobre, fez mais uma dezena de novelas e, em 1982, encarnou novamente Gabriela no cinema, com produção americana, ao lado do astro internacional Marcello Mastroianni. O filme foi um abacaxi, mas abriu para Sônia as portas de Hollywood e selou sua imagem como Gabriela.
Juliana enfrenta o papel – e a sombra – de Sônia Braga em outro momento da vida e da carreira. Aos 33 anos, é uma estrela da televisão, já foi eleita a atriz preferida dos brasileiros e figura em listas internacionais das personalidades mais sedutoras. Seu corpo moreno e abundante oferece uma versão idealizada de brasilidade. Na vida pessoal (leia o quadro abaixo), é casada, tem um filho e ganhou dinheiro suficiente para olhar a vida sem ansiedade. O convite para viver Gabriela aconteceu, coincidentemente, quando Juliana já estava imersa no universo de Jorge Amado. “Havia um projeto para fazer o filme Teresa Batista cansada de guerra. Eu estava relendo vários livros de Jorge Amado, inclusiveGabriela”, diz. Mal foi divulgado seu nome para a produção, instaurou-se uma polêmica nas redes sociais: uma atriz de 33 anos poderia ser Gabriela? No livro, a personagem mal saíra da adolescência.
Superar obstáculos não é novidade na vida de Juliana. Ela nasceu em Rio Bonito, Estado do Rio de Janeiro. É a mais velha de três filhos de um coronel reformado da PM e de uma professora. Quando era criança, seu pai sofreu traumatismo craniano jogando futebol e parou de trabalhar. A família perdeu o que tinha. Moravam num belo apartamento na Praia de Icaraí, Niterói, e foram para um pequeno imóvel alugado em São Gonçalo. Mudaram de classe social, para baixo. Juliana começou a fazer pequenos trabalhos de publicidade ainda adolescente e, depois, alguns bicos para pagar a faculdade. Trabalhou como recepcionista em eventos, inclusive no Sambódromo, onde anos depois brilharia como rainha de bateria. Conseguiu uma bolsa na faculdade e formou-se publicitária em 2000. Já começava a fazer mais trabalhos de modelo e jamais exerceu a profissão.
Em 2000, ela foi vista pelo diretor Ricardo Waddington num outdoor nas ruas do Rio e chamada para um pequeno papel de empregada em Laços de família, de Manoel Carlos. “Ela tem a mistura perfeita de sensualidade e inocência”, disse Waddington, na ocasião. A partir daí, sem pressa, Juliana cuidou com afinco de sua imagem, com a ajuda do agente Ike Cruz. Desde que percebeu que a moça tinha carisma, Ike tratou de lapidar a carreira dela. Com seu 1,70 metro de altura, quadris de 95 centímetros, cintura de 66 e busto de 88 (Sônia tinha 1,60 de altura, 88 de quadris e 82 de busto), Juliana poderia ter virado uma dessas mulheres frutas. Mas resistiu ao óbvio. Há oito anos, quando dava os primeiros passos da carreira, seu agente recebeu um telefonema de outra emissora. Queriam – que coincidência! – chamá-la para protagonizar uma adaptação deGabriela. Argumentavam que na Globo ela jamais chegaria ao primeiro time. Em 2009, Juliana chegou ao horário nobre, no papel principal da novela Caminho das Índias. Agora é sua vez de encarnar Gabriela, um daqueles personagens irresistíveis – como Capitu, de Machado de Assis, ou a escrava Isaura, de Bernardo Guimarães – por quem o Brasil cai de amores a cada geração. Quando Juliana entrar no ar, na segunda-feira, o país descobrirá, instantaneamente, se ela tem o tempero de Gabriela.
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