Da última vez que mudou, em julho de 2012, a única preocupação do VolkswagenGol era o Fiat Palio, que havia ganhado nova geração no ano anterior. Com faróis retos, novas lanternas, eletrônica atualizada e rádio integrado ao painel – mas a mesma auto-suficiência de sempre –, o então mais vendido do País se sentia preparado para o rival, e também para os concorrentes que viriam. Estava enganado: foi como se proteger sob uma árvore em chuva de granizo.
Surgiram Toyota Etios, Hyundai HB20 e Chevrolet Onix. Cada um com uma característica peculiar, capaz de desbancar o Gol em design, espaço interno e confiabilidade.
Nenhum deles, porém, conseguiria alcançar os números do Gol, que teve mais de 32 mil carros vendidos em agosto daquele ano. Mas tinham argumentos suficientes para atrair clientes e desestabilizá-lo. E conseguiram. O VW perdeu para o Palio o posto de carro mais vendido em 2014 e fechou 2015 somente na sexta posição de vendas.
PRATICANDO IOGA
O modelo azul da foto acima representa a tentativa do Gol de ser um carro mais emocional para se aproximar dos clientes. É como se ele tivesse passado meses relaxando e praticando ioga no Nepal para repensar sua trajetória, sua razão de existir entre Up e Fox.
Claro que não se vê nada disso na frente, na qual mudam grade, faróis e pára-choques. Tampouco na tampa traseira com vinco, que remete vagamente ao primeiro Gol. A ideia é mudar a experiência do consumidor com o carro.
A base de tudo está no interior e na conectividade, mas falaremos disso mais adiante. O pacote de equipamentos é aceitável, só que foi estabelecido para distanciar o Gol do Fox. Chave canivete e retrovisores elétricos são itens exclusivos das versões mais caras. E dê adeus ao Gol Rallye como topo de linha: o posto passa a ser do Highline, por R$ 55.290 (ou R$ 58.590 com caixa I-Motion). O mais em conta será o Trendline, por R$ 34.890 (ou R$ 37.690 com ar e trio).
Talvez, a evolução mais significativa – mas que será menos percebida por você – seja na parte mecânica. Sai o 1.0 EA111 de 4 cilindros e entra o EA211 de 3 cilindros, na configuração que equipa o Up, o compacto moderninho da VW.
A potência máxima com etanol subiu de 76 cv para 82 cv e torna o Golmais prazeroso. Ele gira até as 6.250 rpm, enquanto no 4 cilindros o pico aparecia em 5.250 rpm. Já o torque caiu de 10,6 para 10,4 mkgf.
Este novo motor renova as esperanças no Gol de um dia voltar à liderança do mercado e cria ansiedade em seus principais algozes, Chevrolet Onix e Hyundai HB20. Agora eles precisam lavar a roupa suja.
3º Lugar – Chevrolet Onix LT
Preços e números de venda nunca fizeram um carro melhor que o outro, mas podem defini-lo como boa compra ou não. O Onix foi o mais vendido de 2015, no entanto, precisa de mais do que números para conseguir se destacar entre os outros compactos aqui reunidos.
Como você já viu aqui na Car and Driver, o hatch da Chevrolet muda em maio. Ficará mais harmonioso e alinhado com outros carros da marca por fora e por dentro. Só que manterá o motor SPE/4 1.0 de comando simples por mais alguns anos.
São 80 cv e 9,8 mkgf que até conseguem fazer o Onix embalar. Porém, só por causa dos “jeitinhos”. Com 15,2 s no 0 a 100 km/h, o Onix é 0,2 s mais rápido que o Gol – com seu motor moderno. Também tem retomadas melhores.
O crédito fica para as relações de marcha curtinhas. No Onix, as trocas da primeira para a segunda e da segunda para a terceira são logo necessárias: o motorista precisa ficar atento às rotações para tirar o máximo desempenho do 1.0. Se o câmbio preciso e com engates macios ajuda, a embreagem pesada tira certa sensibilidade nas saídas.
REI MORTO, REI POSTO
É como se este motor trabalhasse sob pressão, enquanto os demais carros aqui reunidos trabalham com mais folga. Por isso, também são mais econômicos. Dá para aceitar 7 km/l do Cobalt ou do Cruze na cidade, mas não de um hatch 1.0 de 1.019 kg.
Um dos motivos para o Onix estar onde está pode ser o preço inicial de R$ 38.990 da versão LS. Só que estamos falando aqui da intermediária LT, de R$ 43.250, que tem o suficiente para o dia a dia: ar-condicionado, direção hidráulica, vidros dianteiros e travas elétricos. Computador de bordo? Só na topo de linha LTZ 1.4 (R$ 51.790).
Algo que é mandatório no Onix é a central multimídia MyLink, opcional de R$ 2 mil – da qual poucos compradores abrem mão. É bonita, intuitiva, mas, na prática, as únicas funções extras frente a um mero rádio com Bluetooth são a possibilidade de reproduzir vídeos e fotos que estejam em um pen drive, e integração com três apps.
Entre eles, está o BringGo, navegador GPS pouco funcional por ser lento: depende do sinal do GPS do smartphone. Contudo, será por pouco tempo. Com a reestilização, o Onix receberá a nova geração do sistema, igual à do Cobalt, com Apple CarPlay e Android Auto.
EQULÍBRIO
Apesar de tudo, o Onix consegue ser agradável em movimento. A suspensão é equilibrada o suficiente para passar segurança ao entrar rápido em uma curva e não incomodar os passageiros ao passar por aquele buraco não visto. Aguenta o tranco. A direção pesadinha e direta do jeito certo passa boas impressões ao condutor.
E o Onix é o melhor do trio em espaço no banco traseiro, se estivermos falando de quatro passageiros. Ajuda no vão para as pernas o maior entre-eixos dos três, com 2,52 m. Os bancos, porém, só são anatômicos para quem senta na lateral – a coitado da pessoa que for no meio não terá encosto de cabeça ou cinto de três pontos.
Dos três, o Chevrolet é dono do pacote de revisões mais caro até os 60 mil km: R$ 3.164. Por outro lado, o seguro por R$ 1.731 é R$ 320 mais em conta do que o Gol, conhecido por apólices caras de outros tempos. O Onix também desvaloriza bem menos, 7,3% de perda após um ano (o Gol tem depreciação de 13%). A propósito, ele é o carro que menos desvaloriza no País após um ano de uso.
É nesses altos e baixos que o Onix sustenta seu posto nas vendas, embora não veja a hora de receber as devidas atualizações para concorrer a um posto melhor num comparativo como esse. Hoje, os adversários têm argumentos mais convincentes.
2º Lugar – Volkswagen Gol Confortline 1.0
Não esperava encontar o Gol por aqui? Pois é, reestilizações não fazem milagre, e isso fica ainda mais difícil quando trata-se do segundo facelift na mesma geração. Mas se o objetivo era evoluir, há razões para comemorar – mesmo esse vice.
Primeiramente, pelo motor. A vantagem do três cilindros para o antigo, de quatro, é de apenas 6 cv, quando com etanol. Só que o novo 1.0 gira até 6.250 rpm, enquanto no antecessor, o pico de potência estava em 5.250 rpm. E se no antigo o torque de 10,6 mkgf aparecia a 3.850 rpm, 0 três cilindros mantém os 10,4 mkgf constantes entre 3.000 rpm e 3.800 rpm. Trata-se de um motor elástico, ou seja, que aceitará retomadas bem leves, sem a necessidade de redução de marcha. Mesmo que o câmbio seja o bom manual de cinco marchas da Volks e a embreagem tenha peso certo, evitar trocas em um 1.0 sempre é bom.
O carro realmente está mais ágil, muito em virtude do funcionamento mais áspero deste tricilíndrico. Mesmo assim, chega a ser meio decepcionante ver nos números do teste de pista que este é o mais lento no 0 a 100 km/h, com 15,4s. Também leva a pior entre os três nas retomadas: em relação ao antigo, demorou 2 s extras para ir de 80 km/h a 120 km/h em 4ª marcha, por exemplo.
Nesse caso, o câmbio 7% mais longo que o anterior (usa as mesmas engrenagens do Up) leva a culpa pelo desempenho morno. A vantagem está no motor trabalhando a 3.150 rpm aos 100km/h – e não acima das 3.500 rpm como antes – e no consumo melhor. Com o mesmo litro de etanol, o tricilíndrico rende 2,4 km/l a mais na cidade e 1,4 km/l extra na estrada, fazendo do Gol o carro mais econômico dos três. É isso que realmente interessa para quem usa o carro todos os dias. Se você quiser um 1.0 para andar rápido (e ainda mais econômico), compre o Up TSI.
BELEZA INTERIOR
Algo que não abre margens para dúvidas é a cabine. Portas não mudam, mas o painel sim. O quadro de instrumentos mais amplo, o volante e os comandos do ar-condicionado são novos, iguais aos do Fox. Saídas de ar, antes redondas, ficaram retangulares e estreitas e os botões dos vidros elétricos, logo abaixo, também.
Tudo isso se dá na busca da conectividade. Embora o Gol Comfortline, que parte dos R$ 42.690, traga o rádio Media Plus, com CD Player, USB e leitor de SD card de série, por mais R$ 2.360 recebe o Discovery Media, com Android Auto, Apple CarPlay e GPS. Sem mudar o painel, eles não caberiam no console do Gol.
De série, leva direção hidráulica (a do HB20 é elétrica), ar-condicionado, banco do motorista com regulagem de altura (mas que só varia a inclinação do assento), computador de bordo, rodas de aço aro 15”, painel bicolor, faróis de neblina e repetidores de seta nos retrovisores. Vidros elétricos traseiros, retrovisores elétricos e até chave tipo canivete estão entre os opcionais. Foi a forma encontrada pela Volks de afastar o Gol do Fox.
Se a ideia é passar a impressão de o Gol estar algo mais rebuscado, a Volkswagen conseguiu. Mas apenas para os olhos: no tato você percebe que ainda falta refinamento nas peças e texturas, o que já não se sente no Hyundai. Você também tem essa impressão ao olhar os dois por fora.
Se o preço alto do seguro do Gol já é esperado, o valor das revisões até os 60 mil km é aceitável. Porém, ainda fica acima do cobrado pelo HB20.
Mas o Gol pode retomar a liderança? Talvez, se tudo for questão de preço. Se você quiser o Gol um pouco mais equipado, leve o Connect, série que será produzida por seis meses. Por R$ 45.190, soma ao que vem na Comfortline central com GPS, volante com comandos, chave canivete, vidros elétricos traseiros e sensor de ré. Pode ser bom negócio.
1º Lugar – Hyundai HB20 Comfort Plus 1.0
Sempre vale lembrar que a maior inspiração do Hyundai HB20 é o VW Gol. Ele teve unidades enviadas para a matriz na Coreia do Sul para serem estudadas. Isso explica muitas coisas, como a regulagem de altura do banco do motorista, que, como no Gol, só varia a inclinação do assento.
Mas o HB20 está preocupado com os interesses de seus compradores desde que era um pequeno rabisco numa prancheta. E leva vantagem pela naturalidade como mostra seu refinamento, ao contrário do seu mestre Gol, que só agora se ligou na importância que isso tem.
Reestilizado em outubro, o Hyundai cativa olhares pela plástica bem feita. Apesar das calotas aro 15” e de não ter faróis de neblina – e nem as novas lanternas –, o HB20 Comfort Plus não passa nunca a impressão de ser apenas a segunda versão mais em conta do modelo (a primeira é a Comfort, de R$ 40.545).
Por dentro, a impressão é a mesma. Embora a qualidade dos materiais seja equilibrada neste comparativo, o HB20 tem a melhor montagem e os vãos mais alinhados. Sem contar que o painel prolonga-se até as portas.
Rádio com Bluetooth e comandos no volante são de série (Central multimídia? Só como acessório. Um pecado). Já o quadro de instrumentos com computador de bordo é bem completo, e também não parece o de um carro de entrada. O HB20 é o único a ter, de fábrica, regulagem de altura e profundidade do volante, direção elétrica e Isofix, a trava para cadeirinhas infantis. Mas não estranhe a falta de alerta de faróis acesos: nenhum HB20 tem. Vai entender...
Completam o pacote da versão Comfort Plus ar-condicionado, vidros elétricos dianteiros e traseiros e repetidores de seta nos retrovisores. É o melhor pacote por R$ 43.745. O mais caro dos três, mas compensa.
LADEIRA DA PREGUIÇA
Potência e torque podem enganar muito bem aqueles que se prendem a números. No caso do 1.0 de três cilindros do HB20, a potência de 80 cv (a 6.200 rpm) se iguala à do Onix, e o torque de 10,2 mkgf é 0,2 mkgf menor que o do Gol. Mesmo assim, é o mais desenvolto dos três. Como lidar?
Tudo bem que o 1.0 Kappa não é uma pérola de refino (ou o estado da arte, como a indústria adora promover) como o do VW. E nem tão elástico quanto. Mas, ainda assim, permite que o HB20 chegue a 100 km/h em 14,2 s, 1,2s mais rápido que o Volks. O Hyundai é o mais agradável na entrega de torque em baixas rotações.
Porém, vá com calma, não se empolgue tanto: em ultrapassagens e em ladeiras é hesitante como os concorrentes, e não será tão agradável com quatro pessoas a bordo – até mesmo porque o espaço para as pernas no banco de trás não é dos maiores. É bom para um carro 1.0, mas ainda é um 1.0. E não é tão econômico quanto o Gol. Faz 8,9 km/l na cidade e 10,9 km/l na estrada, com etanol.
O câmbio manual de cinco marchas também não é tão bom de lidar quanto o do Gol. Os engates são discretamente imprecisos (algo que não se nota na transmissão de seis marchas das versões 1.6), mas a alavanca tem curso curto. A embreagem é leve, só que o curso do pedal é o maior dos três.
Se para ter um Comfort Plus como este você precisa desembolsar R$ 1.055 a mais do que no Gol, a longo prazo o Hyundai pode até tornar-se mais barato. Tem o menor valor de seguro (R$ 1.697 em nosso perfil padrão) e as revisões são um pouco mais baratas que as do Gol. Só que têm preço fechado até 100 mil km, e com bons valores, o que é importante quando estamos falando de cinco anos de garantia.
CONCLUSÃO
Do lado da arquibancada reservada ao Gol a torcida grita o velho bordão “você conhece, você confia” – e alguns deles xingam a mãe deste que vos escreve. De fato, desde o lançamento do Gol G3, em 1999, não se via o compacto tão equilibrado em termos de tecnologia, acabamento e design. Estas mudanças podem ter sido o primeiro passo para uma revolução do Gol, aguardada para 2019 na forma de uma nova geração, com outra plataforma. O que conseguiram agora foi estabelecer muito bem quem é o Gol em meio a Up e Fox (até mesmo, por isso, o Gol Rallye será extinto). Quer algo melhor? Vá para o Fox.
Partidários do Chevrolet Onix prometem uma revanche para o meio do ano, quando o carro que defendem estará renovado. Será um novo ataque e zaga melhor posicionada.
A turma dos olhinhos puxados sabe que seu time não tem tradição, mas a boa campanha que rendeu títulos no passado continua forte, sabe-se lá até quando. Dá poucos vacilos, como no espaço no banco de trás, na direção muito leve e na falta de equipamentos bobos. Mas, neste campeonato, quem marcou o Gol foi o Hyundai HB20.
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