A chuva torrencial que caía no Rio de Janeiro ameaçava interromper as competições do mais nobre esporte olímpico, a origem das Olimpíadas, o atletismo, disputado no estádio Engenhão. Era noite de terça-feira, dia 16, e os atletas se preparavam para competir apenas no dia seguinte. A torcida deixava o Engenhão, mas Thiago Braz estava concentrado. No canto, se preparava em silêncio. Depois de uma hora de atraso, a organização decidiu retomar as competições na sessão noturna da Rio 2016. Minutos antes de as eliminatórias do salto com vara recomeçarem, um novo revés: o equipamento que eleva o sarrafo, a barra que os atletas têm de saltar, simplesmente quebrou. Os competidores esperaram mais 15 minutos até a solução.
O tempo inteiro Thiago aguardou em silêncio, pensando na estratégia que adotaria. O salto com vara não é um esporte apenas de explosão e de físico, mas também um jogo de estratégia, uma espécie de xadrez ou pôquer do atletismo. Qualquer competidor pode elevar o sarrafo a uma marca superior à do adversário dentro de um limite de tentativas. Vence não apenas quem salta sobre o sarrafo, mas quem desafia o limite do adversário na hora certa. Foi o que fez Thiago, com maestria. Rivais fortes caíram pelo caminho: o polonês Piotr Lisek, o tcheco Jan Kudlika e o chinês Chiangrui Xue. No final, restavam o americano Sam Hendricks, Thiago Braz e o francês Renaud Lavillenie, recordista mundial, multicampeão e ouro em Londres 2012.
A medalha de Thiago estava garantida – restava saber qual. Lavillenie colocou o sarrafo na marca de 5,93 metros e passou logo no primeiro salto. Em três tentativas, Hendricks não conseguiu saltar. Thiago já tinha pelo menos a prata. O Engenhão tremia. Lavillenie precisava derrotar Thiago e colocou o sarrafo em 5,98 metros. Quebrou o recorde olímpico – um feito tranquilo para quem saltou 6,16 metros em 2015 e estabeleceu um novo recorde mundial. Thiago, então, trucou Lavillenie. Não se contentou com a prata e colocou o sarrafo 10 centímetros acima de seu recorde pessoal, em 6,03 metros. Cada um teria três chances de saltar. Lavillenie saltou e derrubou o sarrafo. Thiago também não conseguiu ultrapassar. Na segunda tentativa, Lavillenie de novo derrubou o sarrafo. Thiago foi para o salto imbuído de toda a energia de que dispunha. Com olhar absorto, quase fora do Engenhão, Thiago correu a quase 30 quilômetros por hora, fincou a vara no chão e saltou. No futebol, narradores diriam que foi uma pintura. Um salto perfeito. Thiago batia ali um recorde olímpico estabelecido 15 minutos antes – e tinha o ouro quase na mão. Lavillenie poderia igualar a marca, mas preferiu elevar o sarrafo a 6,08. Sob vaias retumbantes, Lavillenie derrubou o sarrafo. Ouro para Thiago.
Thiago era uma esperança de medalha para o Brasil. Na Olimpíada do Rio, o saldo de medalhas do Brasil foi garantido pelo desempenho de heróis como Thiago, mais do que por qualquer política de Estado. Isso ajuda a explicar por que o Brasil não muda de categoria na geopolítica do esporte.
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