PORTO ALEGRE - Benditas as luvas de goleiro recebidas ainda na infância que fizeram com que Cássio Ramos deixasse a lateral-esquerda e procurasse seu lugar entre as traves. Foi a partir de um presente do tio materno que o goleiro do Corinthians campeão do mundo desenvolveu o gosto pela posição e garantiu, domingo, o título de melhor jogador do Mundial de Clubes, no Japão. Destaque das manchetes desde a conquista do título mundial pelo Corinthians, o gaúcho de 25 anos vislumbra um futuro promissor em São Paulo. Mas seu começo foi cheio de dúvidas. Irmão mais velho dos três filhos de Maria de Lourdes, conhecida como dona Luciane, ele dividia sua rotina na infância entre a escola, a escolinha de futebol e o lava-rápido do tio.A vida não era fácil para os filhos da empregada doméstica, que trabalhava muito para sustentar as crianças sem o apoio do marido, cuja relação com a família é mínima. Os quatro dividiam a casa de três cômodos no bairro Santa Lúcia, em Veranópolis, cidade de 23 mil habitantes na serra do Rio Grande do Sul. "Era um quarto com beliche, uma cozinha, uma sala e o banheiro", conta o mais novo, Eduardo, 18 anos, que, seguindo os passos do irmão, também está fazendo testes como goleiro em clubes do País. A irmã Taís, de 21 anos, cuida da vida profissional do irmão.
Canhoto, o jovem Cássio acreditava que teria futuro pela lateral-esquerda, na qual ensaiou seus primeiros passos dentro das quadras e do campo. Mas mudou de posição graças ao visionário tio João Carlos, o Kojak, que percebeu no adolescente a possibilidade de sucesso no gol. "Ele jogava de lateral ou na ponta-esquerda na escolinha. Mas por ele ser alto e depois de ganhar um par de luvas do nosso tio, foi para o gol e começou a se dar bem. Daí veio a paixão por ser goleiro", diz Eduardo.
Ainda na serra gaúcha, Cássio fez testes no Caxias e no Juventude, quando tinha 13 anos, e no Tubarão, de Santa Catarina. Acabou entrando nas categorias de base do Grêmio, em Porto Alegre, onde, depois de muito trabalho, subiu para a equipe profissional. Foi quando deu o primeiro susto na sua mãe. "Meu Deus, te deram alguma coisa para tu crescer?", conta dona Luciane, relembrando as primeiras palavras que disse ao filho depois de meses longe de casa.
Cássio foi então escalado para a seleção Sub 20, que o ajudou a carimbar seu passaporte para a Europa. Em 2007, se transferiu para o holandês PSV Eindhoven, mesmo clube quer tirou Romário e Ronaldo do Brasil, sem muito espaço, onde ficou por quatro anos e meio, até acertar com o Corinthians.
"Na Europa, ficava muito desanimado quando não era convocado. A gente se falava por telefone e, um dia, ele me disse chorando que tinha vontade de largar tudo. Mas conversamos e ele concordou em insistir na carreira", recorda a mãe.
De terceiro goleiro no Corinthians, ganhou uma chance nas oitavas de final da Libertadores contra o Emelec. Teve bela atuação e ganhou a vaga de titular. A vida mudou para todos. Cássio renovou com o clube até 2015 e construiu para a família "uma casa de três andares" ao lado da antiga. "Quando ele estava no Grêmio, vinha nos visitar e a gente ficava jogando bola em frente de casa. Agora minha mãe mora aqui, ao lado da casa velha, nessa que meu irmão mandou fazer", explica o eufórico Eduardo.
Gigante era o apelido de Cássio na escolinha em Veranópolis. Na base do Grêmio, já com quase os seus atuais 1,95 m de altura, o chamavam de Frankstein. "Esse apelido ele odeia até hoje", entrega o irmão.
CHURRASCO GAÚCHOCássio está voltando para casa. Mas antes de desembarcar em Veranópolis, passa ao menos dois dias em São Paulo para uma série de entrevistas. Dona Luciane planeja um churrasco para o filho. Enquanto isso, Kojak tem dias intensos. "Nunca lavei tanto carro como hoje", comenta João Carlos, entre uma lavagem e outra, em seu lava-rápido. O movimento cresceu. "Todo mundo estava vindo aqui abraçar a gente", conta o ilustre morador da cidade, só não mais famoso que o sobrinho, aquele para quem ele deu o primeiro par de luvas.
"Ele saiu de uma família humilde. Não foi fácil. Mas hoje a gente fica orgulhoso em saber que criou uma pessoa super educada e que está sendo respeitada e reconhecida em todo mundo", diz João Carlos, o grande incentivador do herói e ídolo da nação corintiana. Cássio, como todos sabem, parou o time do Chelsea na grande final do Mundial. Entrou para a história.
Comentários