
Ele sabia que verde era sua cor favorita. Era mesmo. Mas ela tinha ouvido falar que carteira tem que ser vermelha. Atrai dinheiro. Ela precisava sair daquele estado de penúria. Ele pensou em verde como dólar. Ótimo. E se fosse verde de não estar maduro? Ela teria que esperar o dinheiro amadurecer para chegar? Estava ferrada. A situação já andava meio preta, economicamente falando.
Sorriu amarelo e agradeceu. Um amarelo amadurecido pela sabedoria de que desejo mal explicado não tem direito a reclamação. E que, na hora de falar, menos sempre é mais. Lembrou de antigos desejos desconjuntados. O pensamento escorregou para muitos anos passados.
Bermuda, chinelo, véu e grinalda. Tentando pegar um táxi. A quarenta minutos do horário do casamento. Essa era sua situação. Pontos de intercessão entre essa cena e o planejado? Zero.
Escolheu um cabeleireiro estrela. Estrelas não descem do pedestal para preparar a noiva em casa. Imagina! Nem pensar! Ele respondia até com certo nojo. Podia no máximo, como um favor, levar a noiva em casa na saída do salão. Ela confiou.
Maquiagem rosa ou vermelha? Rosa, claro. Carnaval já tinha passado, pensou. Meia hora depois abriu os olhos e se deparou com uma cara bem parecida com a dela. Só que agora em nova versão: roxa! A visão do inferno! O que ela imaginou como rosa, para ele era roxo. Desesperou. Pensava rápido no que fazer.
Tinha duas opções. Primeira: ia para casa. Lavava o rosto. Chorava. E se pintava de novo. Segunda: não chorava. Não havia tempo hábil para lágrimas. Comunicava que não estava bom. E esperava para ver o que ele ia fazer. Escolheu essa.
A estrela bufou, gemeu, se sentiu mal. Refez a maquiagem e sumiu salão adentro. Agora ela estava ali na calçada. Paramentada de noiva, sozinha, tentando um táxi. Atrasada para as fotos. Saudada efusivamente pelos passantes. Aquilo não era mico. Era um gorila e dos grandes. Por sorte não era época de redes sociais. Imagina ela bombando na web, sendo retuitada? Youtube: a noiva desvairada! Cruzes! Viraria corrente no Facebook, na certa! Repasse para dez amigos se não quiser passar por isso também.
Jogada na lama do imprevisto. Assustada pelo medo de que tudo fosse um triste presságio, um aviso de Deus. Pensava se seria o caso de fugir ou ficar. Escolheu casar. No computo geral, entre verdes e vermelhos, até que vinham caminhando bem.
Expectativas têm cores. Ela tinha aprendido mais essa. Quem a largou, na calçada sem carona, não foi o estrela. Ele ficou furioso e não cumpriu o prometido. Para ele também aquela situação não deve ter sido fácil.
Ele foi safado de não cumprir o prometido? Sim. Pense bem, nem tinha mais clima para isso. Ela sabia. O vilão da história não foi ele. O que causou a confusão, que a deixou só na calçada, foi a diferença de tonalidades de desejos. Sonhos, imagens e sensações como se explica?
Imagens internas nos são tão reais que esquecemos de contar os detalhes. Explicar os meandros. Presumimos um conhecimento que o outro desconhece. O que eu imaginei, com requintes e tantos detalhes fantasiosos e lindos, dificilmente chegará aos pés do simples real.
Meu rosa não é o mesmo que o seu. E isso precisa ser muito bem explicado. Aquela máxima doentendeu ou quer que desenhe? É perfeita. Sim, quero que desenhe! Sempre! Se puder colorir, melhor ainda. Porque da mesma descrição saem muitos e diversos retratos.
Penso que fui bem clara. Só que não. Entre a minha imagem e a sua há um abismo profundo e perigoso. É nele que nosso diálogo se equilibra no constante risco de cair e se afogar.
Tentamos flutuar, boiar, qualquer coisa. Mas nos batemos como ondas de mar tumultuado entre não ditos e mal explicados. Nos soterramos em desentendidos. Entre a minha expectativa e a sua, muitos caldos e alguns tombos. Agregar e agradar nem sempre estão na mesma conjugação. Por isso ela amarelou, mas não reclamou de seu vermelho ser verde.
Deixaria assim mesmo. Pensaria que era dólar. Faria simpatias, promessas. Na próxima que se adiantasse e comunicasse a tempo. Ninguém tem bola de cristal. E ele comprou com tanto gosto. Uma desfeita desfaz um coração bem intencionado.
Num mundo ideal imagens mentais serão fotografadas. Trocaremos nossas fotos de sonhos e desejos. Eu de posse da sua, sem ter que imaginar. Você de posse da minha, sabendo o que de verdade eu desejo. Mal posso esperar por esse dia.
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