Em meados de janeiro (dia 19), 3 milhões de brasileiros ficaram no escuro em 11 Estados mais o Distrito Federal. A interrupção de energia durou uma hora e meia, mas os transtornos se prolongaram por mais de três horas. Um trem do metrô de São Paulo parou no meio do túnel, com ar-condicionado desligado, iluminado apenas por luzes de emergência. “Ficou muito quente dentro dos vagões, e as pessoas ficaram com dificuldade para respirar”, disse o auditor fiscal Christofer Claro. “Foi preciso abrir a porta à força.” Os brasileiros começaram a falar em apagão. As autoridades se apressaram em dizer que não era bem assim. Exatamente como aconteceu em 2014, quando muitos paulistanos ficaram sem água, mas ninguém admitiu a existência de um racionamento. Confira abaixo o que as autoridades já disseram em 2015 sobre a falta de água e a falta de luz – e o que há de falso e verdadeiro em seus discursos.
Que houve sequência de desligamentos é fato. Que não houve falta de energia no país é algo desmentido pelos fatos. No dia seguinte ao apagão (19 de janeiro), o Brasil passou a importar eletricidade da Argentina durante o período de pico no consumo de energia, entre 10 horas e 17 horas. Chegou a importar 998 MW – suficientes para abastecer 2 milhões de pessoas (Leia sobre isso no balanço do Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS, aqui). Os dois países têm desde 2006 um acordo de parceria - que você pode conferir neste link -, pelo qual um pode emprestar energia ao outro. A importação está prevista, mas não é, como afirmou em nota o ONS, algo “normal e corriqueiro”. A última vez em que o Brasil importou eletricidade da Argentina foi dezembro de 2010. É menos normal e corriqueiro do que a Copa do Mundo, que ocorre a cada quatro anos (Aqui estão os valores importados pelo Brasil à época).
O ministério tentou negar as consequências desastradas do corte abrupto de energia. A ViaQuatro, concessionária que administra a linha de metrô que parou de funcionar, diplomaticamente informou o óbvio: que a interrupção, simultânea ao corte de eletricidade, deveu-se a um problema externo, algo que pode ser lido neste link.
A frase já é contraditória em si e mostra uma pretensão perigosa. “Quem garante 100% de segurança no sistema elétrico está mentindo”, afirma Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás entre 2003 e 2004 e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “As linhas de transmissão têm extensão continental, sempre sujeita a falhas, e a falta de chuvas aumenta a incerteza.” A falta de chuvas no início de 2015 diminuiu a capacidade de geração das usinas hidrelétricas em todo o país, especialmente na Região Sudeste, onde o consumo é maior (confira os níveis dos principais reservatórios) . Em janeiro, das 18 hidrelétricas do país, 17 já estavam com o nível de seus reservatórios abaixo do que estavam em 2001, quando o Brasil precisou fazer racionamento (leia a série histórica). A participação de usinas termoelétricas, menos confiáveis, subiu do patamar histórico de 20% para 40%. É importante ressaltar que, desde 2001, o país diversificou suas fontes de geração de energia, com grande aumento no número de usinas termoelétricas, eólicas e solares..
A Usina Hidrelétrica de Santo Antônio só entrou em operação em março de 2012. O prazo de conclusão foi adiado para o ano que vem. “Quando estiver concluída, em 2016, Santo Antônio terá 50 turbinas em operação”, informa aqui o site do Programa de Aceleração do Crescimento. Outras grandes usinas, como Jirau, Belo Monte e Angra 3, também estão com andamento atrasado. “Se os prazos de conclusão das obras fossem cumpridos, o país teria capacidade de geração cerca de 15% maior, suficiente para reduzir o uso de pequenas termoelétricas, baixar o custo da energia e evitar interrupções no fornecimento”, diz Pinguelli.
Em campanha pela reeleição, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi taxativo ao negar a possibilidade de racionamento. Foi uma afirmação danosa para um Estado que precisava poupar água com urgência. Desde 2011, o reservatório do Sistema Cantareira, responsável por quase metade do abastecimento da região metropolitana de São Paulo, terminava o ano com saldo negativo. Em maio de 2014, pela primeira vez, foi necessário recorrer ao volume morto – uma reserva técnica.
Passada a eleição, Alckmin diz a verdade. São Paulo aprovou a cobrança de sobretaxa a quem gastar água acima da média – iniciativa complementar ao desconto oferecido a quem economizar. Com chuvas abaixo da média também em 2015 (como mostra este relatório), São Paulo corria o risco de ficar sem água até o fim do verão. A previsão sombria pode ter sido adiada graças à bondade de São Pedro, e suas chuvas de fevereiro (com elas, o Sistema Cantareira dobrou o nível de sua capacidade, para 11,7%, ao somar-se o nível negativo do volume útil com a primeira cota da reserva técnica). Apesar dessa alta, o nível do sistema ainda é preocupante. O novo presidente da Sabesp, Jerson Kelman, prometeu informar no site da companhia os horários de pressão mais baixa na rede, quando os bairros ficam sem água (confira, numa página criada por ÉPOCA, a situação do seu bairro aqui). “É evidente que, na crise atual, a Sabesp não tem como prestar o serviço como se a situação fosse de normalidade”, diz Kelman. “Não é sensato brigar com os fatos.” Finalmente, o óbvio.
No mesmo dia 6 de outubro, a Sabesp, companhia de água do Estado, subordinada ao governador, anunciou que recorria à segunda reserva técnica – ou segundo volume morto (confira os níveis do Sistema Cantareira).
Comentários