Fábrica de ilusões do futebol, quatro em cada cinco jogadores de futebol no Brasil ganham até R$ 1.000
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Salários acima de R$ 50.000 existem só para 0,8% – no país do futebol, atletas ganham menos do que serventes de obras, catadores de lixo e tratadores de porcos
Há, claro, quem ganhe mais do que o diretor de produtos bancários, profissional com salário médio inicial mais alto do país segundo o ministério, que chega à empresa com R$ 30.394,85 mensais. Existem 226 jogadores de futebol em solo brasileiro com contracheques acima R$ 50.000,01. Ora, ora, então esses atletas faturam pelo menos o dobro do que o banqueiro, provavelmente pós-graduado e com currículo de três páginas, às vezes sem nem terem terminado o ensino médio. É verdade. Só que eles representam 0,8% de todos os profissionais desta modalidade. São a exceção. Só um em cada centena ganha efetivamente mais do que um banqueiro. Na verdade, você acha que futebol paga salários obscenos porque só esses jogadores chegam à mídia – só jogos deles em grandes clubes são televisionados, só eles aparecem em programas, só fofocas sobre carrões, mulheres e “parças” deles ganham repercussão.
A desigualdade entre a elite e a larga base da pirâmide também existe em outros países. Na Inglaterra, números da Associação de Futebolistas Profissionais (PFA, em inglês) obtidos pela Sporting Intelligence mostram que, em 2009/2010, um jogador da Premier League, a primeira divisão, ganhava média de £ 96.863 por mês. Um da quarta divisão, £ 3.237 mensais, ou 3,3% do que fatura o colega mais rico. A razão é a mesma: no Brasil e na Inglaterra os clubes do topo dispararam em arrecadação depois que valorizaram contratos de televisão e patrocínio, reformaram estádios e criaram programas de associação. Os times de baixo continuam sem ter acesso a essas fontes de receita. Os mercados se comportam da mesma maneira. O que nos difere é que os pobres do Brasil são mais pobres do que os da Inglaterra. E, também, que os britânicos, divididos em um sistema de ligas que passa da décima divisão, jogam o ano todo.
A realidade do jogador invisível piora consideravelmente quando se acrescenta outro dado da CBF sobre um termo que assusta qualquer brasileiro: desemprego. Dos 28.203 atletas profissionais que tinham contrato assinado em 2015, somente 11.571 chegaram a janeiro de 2016 com contrato ativo. Quer dizer que 59% dos jogadores, seis em cada dez, ficaram desempregados no decorrer da temporada. A taxa de desemprego para todo o país, que bota medo no governo de Dilma Rousseff, está na casa dos 9%. Como tanta gente pôde ficar sem clube em tão pouco tempo? Houve 7.973 rescisões de contratos, equivalentes a 48% de todos os jogadores que perderam o emprego na temporada. Outros 52% são de pessoas cujos contratos foram feitos para acabar antes do fim do ano mesmo. Aí entra uma das justificativas para salário baixo e desemprego alto: falta calendário.
A maioria dos clubes contrata em dezembro, funciona de janeiro a abril, durante campeonatos estaduais, e fecha as portas durante todo o restante da temporada. Se não tem jogo, não entra dinheiro, e aí não tem jeito. Todo mundo vai para a rua se aventurar em outras profissões para botar comida na mesa. A maioria daqueles 16.632 jogadores de futebol que perderam o emprego no decorrer de 2015 tentou encontrar trabalho compatível com seu nível de instrução. Talvez alguns tenham virado serventes de obras, catadores de materiais recicláveis e garçons, profissões que pagam tanto quanto o futebol, mas não têm o mesmo apelo emocional na cabeça do atleta. Por que alguém sonha em ser jogador de futebol no Brasil? Desinformação. Reprodução de clichês. A ideia de virar um Neymar e enriquecer da noite para o dia, estatisticamente restrita a 0,8% dos jogadores brasileiros, faz com insistam na ilusão do futebol.
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