No dia 27 de novembro de 2014, o sargento da Marinha Jerônimo Ronaldo Pereira acordou com policiais civis a sua porta, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Os agentes vasculharam o apartamento atrás de armas ilegais. Na garagem, encontraram tonéis de plástico com dez fuzis, duas submetralhadoras, nove pistolas, 35 carregadores, dois silenciadores e mais de 5 mil cartuchos. Segundo a Polícia Civil, Jerônimo, que tinha 20 anos de carreira, recebia R$ 2 mil semanais de traficantes para guardar o arsenal. O laudo de perícia das armas, anexado ao processo judicial – que, em junho, condenou Jerônimo a cinco anos de prisão –, impressiona pela origem das armas e munições, fabricadas em países de quatro continentes. A existência de um arsenal no subúrbio do Rio, infelizmente, é uma rotina. Mas, às vésperas das Olimpíadas de 2016, as autoridades se preocupam com o variado cardápio bélico que parece estar à disposição de terroristas.
Com os ataques terroristas de Paris, no dia 13, o que mais preocupa o governo para 2016 são os chamados “ratos solitários”: pessoas que simpatizam com as ideias de grupos terroristas como o Estado Islâmico e a al-Qaeda e interagem com representantes desses movimentos pelas redes sociais. São os indivíduos que podem cometer atos extremistas. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitora esses suspeitos no mundo virtual e no real. “Os atentados na França representam parte de uma escalada de ataques, observada neste ano em diferentes regiões do planeta. Não resta dúvida que isso é motivo de maior preocupação para todos os serviços de inteligência”, diz Luiz Alberto Sallaberry, diretor de Contraterrorismo da Abin. “Mas, neste momento, os contatos da Abin com a inteligência francesa são apenas preliminares. Seria prematuro antecipar muitos desdobramentos ou apontar novas tendências, não apenas para o cenário europeu, mas também para o Brasil”, diz. Tanto a Polícia Federal quanto a Abin adotaram uma doutrina, com outros países, de rechaçar a expressão “lobo solitário”, que glamoriza terroristas. Preferem usar “ratos solitários”, como forma de colocá-los em seu devido lugar no mundo da violência.
Na final da Copa do Mundo de 2014, no Rio, a Abin identificou umaameaça terrorista. O espaço aéreo do Maracanã foi bloqueado para evitar ataques com drones. Não foi um evento isolado. Ao longo da Copa, outras medidas de precaução foram colocadas em prática. Nesta semana, a Abin reunirá profissionais da área de inteligência e segurança dos Jogos Olímpicos de 2016 no Seminário internacional enfrentamento ao terrorismo no Brasil, em Brasília. Entre os participantes está o diretor executivo do Comitê de Direção Executiva Antiterrorista da ONU, Jean-Paul Laborde. Desde o ano passado, asForças Armadas também fazem treinamento contra terroristas para as Olimpíadas. No total, cerca de 85 mil militares e civis farão a segurança das Olimpíadas.
O trabalho será muito mais difícil porque os terroristas não teriam dificuldades para conseguir armas na fronteira ou no mercado negro do Rio. A polícia afirma que a maioria das armas entra no Brasil pela porosa fronteira com o Paraguai. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, diz que as fronteiras brasileiras podem ser comparadas a um “queijo suíço”, cheias de estradas vicinais e trilhas. O laudo pericial das armas apreendidas com Jerônimo – o sargento que aparece no início desta reportagem – mostra que três fuzis foram fabricados na Bélgica, dois na China, dois nos Estados Unidos, um na Argentina, um em Cingapura e um na Finlândia. A maior parte da munição veio dos Estados Unidos, do México e do próprio Brasil.
A Polícia Federal defende que seja aprovada uma lei sobre o crime de terrorismo para combater os chamados “atos preparatórios”. Tal lei daria poderes para prender suspeitos de planejar atentados. “Há mais de 20 anos a PF combate o terrorismo em parceria com outros países. Neste momento, é necessária uma legislação que criminalize o terrorismo e permita operações baseadas nos atos preparatórios”, diz nota da PF. Leandro Daiello, diretor-geral da Polícia Federal, esteve no mês passado justamente na França, onde falou com representantes da área de segurança do país, além da Interpol e da Europol. Foi um encontro para reforçar a troca de informações. Fez o mesmo roteiro no começo do ano nos Estados Unidos, quando foi à CIA, a agência de inteligência americana. Fora do radar dos terroristas até agora, o Brasil não pode facilitar as coisas para os ratos.
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