Em 2014, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) chegou a sua 17ª edição e a sexta, desde que passou por mudanças estruturais para se tornar substituto de vestibulares em todo o país. Com o novo formato, que possibilita acesso a vagas nas mais cobiçadas universidades brasileiras, cresceu não só o número de participantes, que alcançou o recorde de 8.721.946. A cada edição, cresce também o risco em torno da prova, pelo interesse em escala nacional que ela gera e em função da complexa logística que envolve sua aplicação onde uma falha pode comprometer toda sua aplicação.
Desde a última quinta-feira, milhões de brasileiros estão na expectativa do resultado de uma investigação da Polícia Federal sobre uma denúncia de vazamento do tema da redação deste ano. Na quarta, um estudante que mora no Piauí denunciou nas redes sociais que teria recebido por uma rede social, na manhã de domingo, informações sobre o tema da prova. A imagem que chegou a seu celular é idêntica à que ele próprio, e milhões de brasileiros, viram na folha de redação.
A denúncia está sob investigação e, até o fechamento desta edição, o MEC não havia divulgado oficialmente se o tema vazou ou não. Mas, na medida em que outros estudantes também do Piauí e do Ceará, ao longo dos últimos dias, confirmaram o recebimento da mesma mensagem, tornam-se cada vez mais remotas as possibilidades de que a denúncia seja falsa e de que tudo não passe de uma brincadeira dos jovens.
Além da denúncia do estudante, chamou a atenção outra investigação em paralelo da Polícia Federal, pela qual foram presos na sexta, dia 4, quatro acusados de envolvimento em um esquema para fraudar o exame nacional. Os envolvidos faziam cooptação de candidatos interessados em participar do esquema de fraude e de pessoas para fazer o teste e passar o gabarito das questões durante a prova. No primeiro dia do Enem, duas pessoas foram presas por também, acusadas de tentarem passar “cola” utilizando celular.
Independente do desfecho das investigações, os episódios seguramente motivam algumas reflexões a respeito do Enem. Valeria a pena manter o formato de uma prova nacional que seleciona para as mais importantes e valorizadas instituições de ensino superior do país? O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) tem condições efetivas e recursos para coordenar uma prova da dimensão do Enem? Além disso, em um processo que envolve, em sua logística, além do Inep, várias instituições como as organizadoras, as Forças Armadas, forças policiais, além de empresas como os Correios, entre outras instituições, é possível o monitoramento seguro de todos envolvidos, a fim de se evitar falhas?
Para o presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), professor João Pessoa de Albuquerque, é hora de repensar o Enem. Ele critica o formato único para todo o país e defende que o exame seja regionalizado. “Como temos 27 unidades federadas, no momento em que se regionalizasse o Enem, estaríamos respeitando as culturas locais. Seria até uma dinâmica muito mais criativa, pois haveria troca de experiências. Vamos imaginar que estado Amazonas tivesse forma de ingresso no ensino superior diferente da do Paraná, e assim por diante. Respeitando-se autonomia dos estados, seria possível incentivar a troca de experiências”, comenta.
Opiniões divididas
sobre o cancelamentoDiante da possibilidade de vazamento do tema da redação do Enem, em um primeiro momento, o presidente do Inep, José Francisco Soares, descartou o cancelamento da prova. Ele informou que aguarda pela conclusão das investigações da Polícia Federal e deu a entender que, se a apuração indicar que o vazamento foi restrito, há meios de se garantir a isonomia se o problema for localizado, como aparenta, até agora.
Opinião semelhante tem o professor João Pessoa de Albuquerque. Para ele, a decisão precisa ser proporcional à extensão do vazamento, caso seja comprovado. “Imaginemos que apenas meia dúzia tomaram conhecimento prévio. Ora, seria uma injustiça anular se apenas um mínimo conhecia previamente o tema. A sabedoria é a dosagem. Virtude está no meio”, comentou o educador. Para ele, também não seria válido anular a redação, caso não seja possível comprovar o vazamento ou seu alcance. “Há um princípio jurídico que diz o seguinte: ‘in dubio, pro réu’. Nesse caso, se existe a dúvida, evidentemente acho que a prova não deveria ser anulada”, defende o professor.
Para o diretor do Colégio Sagrado Coração de Maria, professor Amaro França, os novos fatos envolvendo o Enem mostram que a prova nacional, apesar dos esforços e do aperfeiçoamento de sua aplicação nos últimos anos, ainda possui fragilidades na parte logística. Para ele, o problema que envolve o possível vazamento da redação exige uma tomada de decisão que considere, além do resultado das investigações, outros aspectos de natureza jurídica.
“Quando um concurso público tem comprovação de fragilidade que gera o desrespeito a uma de suas condições mais essenciais - que é a da igualdade - as práticas apontam para a anulação”, comenta o educador. Para ele, é importante que a investigação, além de deixar claro se ocorreu o vazamento e, caso tenha ocorrido, como ele aconteceu, deve assegurar que o problema ficou restrito a esta parte da prova.
“A redação é o ponto inicial da investigação, mas a sociedade brasileira precisa da garantia que outras questões não vazaram. A fragilidade da aplicação do Enem revela, pra mim, enquanto educador, a necessidade de repensá-lo. Esperamos que os órgãos competentes realizem uma ampla investigação e que se faça justiça a partir dos elementos apurados”, comentou o diretor do Colégio Sagrado Coração de Maria.
Por todo o Brasil, para os milhões de brasileiros que participaram do Enem, o sentimento será de apreensão enquanto não sair uma decisão definitiva do MEC quanto à redação. Esse é o quadro, por exemplo, entre os alunos do Colégio Sion, do Rio de Janeiro. Segundo a professora Anina Fittipaldi, coordenadora de Língua Portuguesa da escola, o clima é de frustração entre os alunos, com a notícia do possível vazamento. “Na verdade é grande decepção. O aluno vai com toda a vontade, toda garra de vencer, e ele esbarra com essa situação... É complicado. Grupo está decepcionado. Que seja um jogo desse próprio rapaz e que as investigações prossigam e que se esclareça tudo.”
Para a coordenadora, caso seja comprovado o vazamento, seria o caso de anular apenas a redação, já que não há comprovação de que outros itens também chegaram a conhecimento público antes da hora. Mas ela também pondera que a vantagem de quem recebeu o tema antes pode não ser tão grande, seja pela hora em que a informação possivelmente foi distribuída (até agora, ao que se sabe, por volta das 10h), seja pelo fato de que há outros aspectos avaliados na redação que não têm relação tão direta com a temática. Para ela, produzir um texto de qualidade não depende apenas do conhecimento do assunto. No entanto, é inegável que ao menos alguma vantagem há para quem possa eventualmente ter tido acesso antecipado à proposta estabelecida para a prova.
“A pessoa poderia já ter chegado ao local com os argumentos preparados. Pode não ter dado tempo para fazer o texto, mas o candidato já entra em condições mais favoráveis para a disputa, em relação aos outros 8,5 milhões”, salienta a professora, lembrando que, 250 dos 1 mil pontos da redação referem-se ao desenvolvimento do texto, que poderia ser facilitado com o conhecimento prévio do tema. Outros critérios, como coesão textual e uso correto do idioma, por exemplo, estão mais ligados à capacidade de expressão textual e à formação de cada um.
fonte:http://www.folhadirigida.com.br/fd/Satellite/concursos/noticias-de-concurso/A-nova-encruzilhada-do-Enem-vazamento-pode-anular-Redacao-2000096143266-1400002102891
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