Em entrevista exclusiva para o Portal iG, o empresário falou como a indústria superou o cenário turbulento e quais serão os próximos passos no mercado
O Portal iG teve a oportunidade de entrevistar com exclusividade o presidente da General Motors Mercosul, Carlos Zarlenga. No Brasil há cinco anos, o executivo faz análises do cenário econômico, político e projeções para os próximos anos.
Argentino, Carlos Zarlenga tem uma carreira sólida dentro da General Motors. Atuou como vice-presidente e diretor financeiro da GM Coreia (2012-2013), incluindo o papel de diretor no conselho de administração da GM Uzbequistão. Foi também presidente da GM Brasil (2016) e CFO da GM América do Sul (2013-2016).
O empresário revelou que a GM Mercosul prepara um novo anúncio de investimentos na região e como a empresa planeja crescer em um ano de eleições e greve de caminhoneiros. Confira a entrevista na íntegra:
Quais os impactos que a greve dos caminhoneiros teve na indústria de automóvel e também na economia como um todo?
Olha, vou falar de três coisas. Do micro para o macro. Na indústria automotiva, o impacto mais evidente da greve foi a queda de 60 a 70 mil unidades de produção e nas vendas em 2018. Nosso setor trabalhava com uma previsão 2,7 milhões de unidades produzidas, mas agora teremos que rever, já que as produções de maio e junho caíram. Para nós da GM ainda tivemos o impacto adicional da nossa fábrica de Gravataí parada. Isso no curto prazo.
Agora, vamos falar no longo prazo. Para mim há dois impactos, primeiro o do déficit fiscal que não foi totalmente resolvido pois não avançou a reforma da Previdência, gerando incertezas de longo prazo. Houve algumas conversas, com um tom positivo, de que o País havia arrecadado mais impostos do que a meta para os primeiros meses do ano, gerando um fôlego que poderia financiar parte do impacto da crise gerada pela greve.
Conhecemos bem esse fôlego porque grande parte dele veio do desempenho positivo da indústria automotiva que paga um imposto de 55% por cada carro vendido. Nossa indústria provavelmente é a que paga maior carga de imposto do Brasil, a gente sabe disso, mas quando você tem um "gap" do tamanho do déficit que tem o Brasil, é preocupante usar esse fôlego gerado pela retomada de crescimento para cobrir um déficit fiscal.
E o outro ponto que eu acho importante é como os investidores externos olham para o Brasil, e a recente criação da tabela de preços mínimos de frete é um exemplo disso. A existência da tabela é um problema, já que você elimina a concorrência e eficiência em um setor que é absolutamente fundamental para o país. Quando você não tem um sistema de transporte multimodal, rodoviário, ferroviário, fluvial e marítimo para competir entre eles, a dependência de um meio de transporte tende a gerar ineficiências.
Estabelecer e fixar uma tabela de preços é ainda mais preocupante ao longo prazo, pois as flutuações normais da composição do custo são ignoradas por força de lei. Se existe a procura de eficiência e competitividade internacional, esse tipo de solução, a longo prazo, num setor tão importante é preocupante.
De um lado a economia brasileira anda como a de países do primeiro mundo, mas por outro adota medidas como tabelamento de frete. A carga tributária e a interferência do governo na formação de preços e nas relações trabalhistas são corretas?
A gente sempre acha que o governo tem que criar condições de justiça, legalidade e segurança para que o setor privado possa operar nos seus negócios. Intervenção, de qualquer tipo, normalmente vai gerar uma minimização do resultado geral do sistema no futuro. Por exemplo, o que é a primeira coisa que acontece com a tabela do frete? As empresas começam a pensar em adquirir sua frota própria de caminhões extinguindo o mercado livre de frete, ou seja quando você tenta regular uma coisa que não é para ser regulada, o mercado acha caminhos alternativos.
No caso de empresas internacionais, o maior problema é quando você tem de explicar isso para a matriz. De um lado convencemos a matriz que vale a pena investir em determinados mercados porque vão ser altamente competitivos e temos condições de competir entregando o melhor preço, produto e serviço. Medidas que geram incerteza e instabilidade complicam essa equação. Nós estamos aqui há 90 anos e entendemos muito bem o Brasil e por isso vamos continuar.
E a questão tributária do Brasil?
É comum se ouvir o comentário que o carro produzido no Brasil é caro e muitas vezes isso é atribuído ao lucro das montadoras. Mas ao se analisar as notícias financeiras no mundo, você vê que as operações da América do Sul tem perda, prejuízo, não tem lucro. O mito de que o lucro das montadoras é desmedido, podia ser verdade há 30 anos, mas hoje não é mais assim. O imposto para o nosso setor no Brasil é de 55% contra uma carga de 12%, 13% no resto do mundo. Qualquer pessoa pode fazer o exercício: se tirar os impostos locais e aplicar os dos Estados Unidos verá que a diferença não está tão longe assim.
O Ministério da Fazenda não é simpático ao que classificam como incentivos para a indústria automobilística no Brasil, mais especificamente para o plano Rota 2030. Foi sugerido que no Brasil deveria se adotar a mesma postura que países como a Austrália teve, ao abrir mão de sua indústria de carros.
O que motiva esse tipo de declaração de pessoas esclarecidas, quando sabemos que os números do segmento representam cerca de 20% do PIB do Brasil?
Quando você pensa na indústria automotiva no Brasil, você tem que pensar em Brasil e Argentina juntos são um mercado só. Na crise de 2015, que representou a maior queda da história da indústria, a soma da produção dos dois países estava no patamar de 2,7 milhões de unidades. Hoje é de 3,6 milhões. Isso coloca o Mercosul, depois de EUA e China, como um dos mercados mais importantes do mundo. Com esse robusto volume de vendas você consegue fazer uma indústria competitiva que traz muita tecnologia, que gera emprego e desenvolve a economia em geral.
No Chile, a decisão de acabar com a indústria de carros foi muito mais simples pois seu tamanho é de 10% comparado com a nossa. Essa decisão é valida e correta para alguns países, mas não para o Brasil. Temos uma oportunidade enorme, pela escala que possuímos, para fazer um mercado e uma indústria vibrante que desenvolva a economia do país.
A Rota 2030 é principalmente uma visão de regulação de segurança e emissões para os próximos 12 anos. A indústria de carros precisa de uma visão de longo prazo para saber aonde e como investir. O ciclo de desenvolvimento, produção e vendas de um carro é longo. Além disso, o segmento automotivo iria investir 20 vezes o que se chama de incentivo. Faz sentido o Brasil abrir 100% do seu mercado, perder sua indústria, e passar a importar 3 milhões de carros por ano?
Mas o que motiva o ministério a se colocar nessa posição e deixar a Rota 2030 de lado?
Eu acho que temos acordo e ele deve ser anunciado em breve. Agora, por que a negociação demorou esses 19 meses quando devia ter sido anunciado em janeiro? Eu diria que foi uma grande oportunidade perdida.
O que você tem de perspectiva para o segundo semestre? O que deve acontecer antes da chegada do próximo presidente?
Olha, tivemos 23% de crescimento no Brasil até o mês de maio. Era para indústria ficar em torno de 2,7 milhões este ano, mas agora penso que estará entre 2,5 e 2,6 milhões. Veremos uma segunda metade de 2018 com uma taxa de crescimento menor. Três fatores desaceleram esse crescimento: o primeiro, a SELIC vai continuar subindo. Segundo, a desvalorização do real, já que cerca de 45% de um carro é importado, isso vai impactar em preços e não só nas montadoras.
E o terceiro ponto é a visão de confiança do consumidor em gastar, após os eventos recentes que temos visto no País. Eu estou menos confiante do que no passado. Eu acho que após a Copa o cenário ficará mais claro sobre o próximo governo. Mas, não acho que vai ter mudança real até o primeiro trimestre do ano que vem.
Na GM estamos bem, a liderança continua. A demanda caiu um pouco, mas ela existe. Em maio caiu contra o ano passado, mas acho que o crescimento vai continuar, embora em ritmo menor.
Após a greve que afetou o abastecimento, impactando os carros a combustão do Brasil, vocês tem algum plano de adiantar a vinda do Bolt, o carro elétrico de enorme sucesso nos Estados Unidos, para o Brasil?
Não. Já anunciamos que vamos lançar o Bolt aqui no Brasil, mas a situação da greve não mudou a nossa visão. O carro elétrico é um processo irreversível, mas de muito longo prazo. A GM tem uma visão do mundo onde você terá zero acidente, zero congestionamento e zero poluição. É um mundo elétrico e autônomo. Em 2019, nós vamos lançar um carro 100% autônomo, o futuro chegou. Essa tendência, em longo prazo, não tem como voltar.
O governo entende essa questão da eletrificação e facilita a vinda desse tipo de tecnologia para o Brasil, para entregar ao consumidor o carro elétrico por um preço justo?
O nosso produto é viável para trazer ao Brasil e vender hoje. Não há nenhum grande ajuste de projeto que precise ser feito. Nossa experiência em outros mercados indica que, mesmo sem uma infraestrutura robusta de abastecimento, devemos trazer o produto, fazer ele disponível e conhecido aos poucos. A demanda em volumes maiores surge naturalmente na medida em que o consumidor conhecer o carro, e aí a regulamentação específica e infraestrutura aparecem naturalmente.
Mas não é uma questão que precisa ser resolvida imediatamente. Agora iremos trazer o produto e ver o que o consumidor quer como reage. A GM não acredita na solução intermediária do carro híbrido. O caminho é realmente o elétrico.
Pode falar um pouco dos planos de lançamentos e investimentos de automóveis da Chevrolet em função das incertezas e curtíssimo e também de longo prazo?
Bem, fizemos o anúncio dos 20 produtos até 2022. Estamos trabalhando no atual plano de investimentos de R$ 13 bilhões, entre 2014 e 2019.
Vamos fazer outro anúncio num momento mais adequado, que irá se referir ao próximo período de cinco anos, entre 2019 e 2024. E não temos motivos para mudar isso. Esse novo anúncio estará relacionado a outros produtos que serão lançados no Mercosul e que não estão incluídos nos atuais R$ 13 bilhões.
Não é o momento de trocar a visão de longo prazo. Deixa passar as eleições, vamos ver o que acontece. E, depois disso, veremos a necessidade de reavaliar.
Você chegou ao Brasil há cinco anos. O que mudou no Brasil e da própria GM?
Eu peguei um período interessante. Dois presidentes do Brasil, o pico de produção da indústria e a grande crise de 2016. Mas eu diria que isso tudo ajudou muito a melhorar a nossa empresa. Hoje temos uma empresa mais competitiva, com melhores produtos, mais eficiente e com a cultura mais sólida. Nosso objetivo não foi ser o número 1, isso é resultado de tudo que você faz. Se você faz tudo bem, aí aparecem os resultados.
Referente ao Brasil, ainda falta muito para melhorar. Mas é inegável que nos últimos três anos a sociedade tem procurado por mudanças, não aceita mais a corrupção e se preocupa com um futuro melhor. Essa mudança não é linear, mas o que importa é que está acontecendo.
E uma última pergunta, que faço aqui na GM nos últimos 20 anos: Quando vocês vão trazer a Corvette ao Brasil?
Carlos Zarlenga - (Risos) Olha, lançamos o Camaro porque achamos que era o carro perfeito para esse tipo de alvo que queríamos no Brasil. Estamos sempre avaliando o Corvette. Um dia você vai se surpreender e ficar contente.
Comentários