Quando o Estado quer aumentar impostos, é sempre assim: há um apelo popular midiático pelo qual o gestor público pretende convencer os cidadãos de que o incremento tributário se dá em prol dos mais fracos, já que se tributa sobre uma classe supostamente privilegiada e endinheirada. Alguém ousaria dizer que a “luta de classes” está fora de moda, pelo menos para colocar “bons” e “maus” nos seus “devidos lugares sociais” no discurso político- demagógico? É exatamente o que acontece quando há cobrança de IPTU mais caro sobre sociedades empresárias, como se o custo não fosse ser repassado para ele, o verdadeiro contribuinte do sistema tributário nacional: o consumidor final, o Zé da Rua. De fato, quem estuda direito financeiro e tributário sabe que a carga tributária brasileira pesa, sobretudo, sobre o consumo de todos os cidadãos – do operário de salário mínimo ao executivo de multinacional – e não sobre patrimônio.
É exatamente o que ocorre com um tema ainda pouco familiar à opinião pública não especializada em direito: a regulamentação, há mais de ano, do Imposto de Renda (IR) sobre participação nos lucros repassados pelas empresas empregadoras aos seus empregados, política que visa estimular a proatividade e eficiência laborai. Afinal, o empregado, não raro, recebe adicional polpudo a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) que podem chegar a centenas de vezes o próprio salário mensal, no caso de altos diretores.
A tabela atualizada pela Receita Federal em instrução normativa para 2014 isenta o PLR recebido até R$ 6.270,01. A partir desse valor, em escala progressiva, o contribuinte empregado que recebe PLR pagará entre 7,5% e 27,5%.
Com o devido respeito à opinião jurídica fazendária, que tem como cliente o Estado brasileiro, tradicional “sócio” indesejável do setor produtivo e operativo do país, pela qual aponta a natureza salarial do PLR, e, portanto, cabível a tributação por configurar “renda” nos termos do artigo 43,1, do Código Tributário Nacional (CTN), ousamos demonstrar que a cobrança de IR sobre o PLR é inconstitucional.
A inconstitucionalidade do IR sobre o PLR, a nosso modesto entender, se dá por um singelo motivo, repugnado não só no direito brasileiro como no direito tributário internacional: a bitributação.
A bitributação, grosso modo, nada mais é que cobrar duas vezes o mesmo imposto sobre o mesmo fato gerador, coincidindo os aspectos tributários que ensejaram a cobrança. Em outras palavras: é como pagar duas vezes por um mesmo produto que, em direito civil, se dá o nome de pagamento indevido ou enriquecimento sem causa. Num e noutro caso, o sistema jurídico dá uma só solução: a devolução do cobrado e pago em dobro -bis in idem. Há artigos de mesma fundamentação jurídica tanto no Código Civil de 2002 como no Código Tributário Nacional. É que o princípio do “não lesar ninguém” é universal e basilar dos ordenamentos jurídicos modernos.
É fácil demonstrar a bitributação do IR sobre o PLR. Inicialmente, ninguém ignora que o PLR tem como fonte e origem a lucratividade/superávit da sociedade onde o empregado trabalha. E o resultado “lucro” reflete o resultado final matemático obtido da soma de toda a receita auferida pela mesma sociedade num ano-calendário subtraído das despesas, custos das mais variadas formas, obtendo o resultado final, que, positivo, terá o destino definido pela administração da sociedade, verbi gratia: pagamento de dividendos aos sócios, reserva de capital ou investimento na própria sociedade e, conforme política adotada na empresa, a distribuição de um percentual a todos os funcionários a título de participação nos lucros e resultados.
Logo, não é difícil perceber que dentro do custo de qualquer sociedade na conta matemática acima descrita estão, justamente, os Tributos e, especialmente, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Por isso mesmo, quando sócios de uma sociedade recebem seus dividendos, não pagam Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). Por quê? Porque o mesmo imposto de renda j á foi pago na pessoa jurídica e o fato de o sócio não pagar o tributo, a rigor, não é isenção, mas vedação à bitributação.
Decorrência lógica disso, portanto, é a inconstitucionalidade da cobrança de IR sobre o PLR dos empregados das sociedades onde trabalham por caracterizar o mesmo fenômeno da bitributação. O fato de o empregado ser, “apenas” (com muitas aspas), um empregado assalariado não afasta o fato de que o valor recebido pelo cidadão já foi tributado na origem, pela sociedade, a título de IRPJ. Tanto é assim que a folha salarial é considerada custo da sociedade, abatendo da base de cálculo para IRPJ, mas não o repassado a título de PLR, visto que não detém conteúdo salarial, mas participativo do resultado social empresarial positivo para o qual o trabalhador deu substancial colaboração.
SIMONE CRISTINE ARAÚJO LOPES- Advogada, especialista e mestra em direito tributário e direito público pela PUC Minas, doutoranda em direito do Estado pela USP e professora. Associada do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (Iamg)
Tabela Aplicável Exclusivamente para Participação nos Resultados (MP 597/2012, convertida
Antecipação PLR GM $ 9.500
Valor da PLR anual (R$)
| Alíquota (%) | Parcela a deduzir do IR (R$) |
De 0,00 a 6.270,00
| - | - |
De 6.270,01 a 9.405,00
| 7,5 | 470,25 |
De 9.405,01 a 12.540,00
| 15 | 1.175,63 |
De 12.540,01 a 15.675,00
| 22,5 | 2.116,13 |
Acima de 15.675,00
| 27,5 | 2.899,88 |
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