Com o mercado brasileiro na faixa de R$ 80 mil a R$ 100 mil dominado pelos SUVs compactos, confesso que fiquei feliz ao perceber a empolgação das pessoas na rua ao ver o novo Civic – enfim algo diferente dos “jipinhos”! Enquanto fotografávamos a novidade ao lado do também recente novo Cruze, foram diversos os olhares de admiração e os tradicionais questionamentos de “Quanto custa?” e “Quando começa a vender?” vindos mais diversos tipos de motoristas (de uma jovem num Fit a uma senhora num Discovery 4).
O Civic de décima geração está nas lojas desde o dia 25 de agosto e tem preços entre R$ 87.900 e R$ 124.900. Não são valores muito atraentes numa primeira análise, mas basta conhecer o carro para ver que tem muito mais grana investida nele que num HR-V, para ficar num exemplo dentro da própria Honda. Mas para saber se um carro vale o que seu fabricante pede, nada melhor que olhar para seus rivais. E para o primeiro comparativo aqui no CARPLACE, optamos pelo Civic que acreditamos ter a melhor relação custo-benefício, o EX 2.0, tabelado a R$ 98.400. O mesmo raciocínio valeu para o Cruze, motivo pelo qual escalamos a versão LT 1.4 turbo, de R$ 89.990. Sentiu falta do Corolla? Bem, nós fizemos um comparativo recente que reuniu Corolla, Focus e Sentra contra o Cruze, e o modelo da GM se sagrou vencedor. C4 Lounge? Não mudaria o resultado. O GM é o atual carro a ser batido no segmento.
Honda e GM trilharam caminhos opostos para conquistar o consumidor. O Civic é ousado por todos os ângulos, com uma traseira que segue o caimento do teto como se fosse um cupê, além de uma cabine claramente esportiva. O Cruze, por sua vez, ficou mais conservador que antes, investindo no espaço e na sobriedade das linhas. A principal arma do GM está sob o capô: o novíssimo motor Ecotec 1.4 com turbo e injeção direta, que equipa todas as versões. A Honda também apostou na estratégia do downsizing para o Civic, mas somente na versão Touring 1.5 turbo (de R$ 125 mil). No andar de baixo o Civic segue com o conhecido 2.0 Flex, agora acompanhado da transmissão CVT no lugar da antiga automática de cinco marchas.
Temos aqui o principal ponto do comparativo: a GM coloca o Cruze LT turbo cerca de 10% mais barato que o Civic EX aspirado. Ou seja, em teoria o Honda precisa justificar essa diferença em equipamentos, construção e/ou acabamento. Já o GM tem a “obrigação” de ser melhor em desempenho e consumo.
Na análise do recheio, há certa vantagem para o Honda: o Cruze LT tem ar digital, bancos de couro, airbags frontais e laterais, controle de estabilidade, rodas aro 17″, central multimídia de 7″, sensor de estacionamento traseiro com câmera de ré e sistema OnStar. O Civic EX não tem sensor de ré e o sistema de som é bem simples, com tela de 5″, mas ele traz itens extras em relação ao GM: airbags do tipo cortina, freio de estacionamento elétrico com assistente de partida em rampa, faróis com LED diurno e acendimento automático, borboletas no volante e retrovisores rebatíveis eletricamente.
Além de um pouco mais equipado, o Civic impressiona melhor no acabamento. Ele tem tripla vedação de borracha nas portas e emprega plásticos de melhor tato e aparência na cabine. O painel é de espuma injetada, macio ao toque, em oposição à peça rígida da Cruze – que dá uma amenizada ao trazer uma parte revestida de couro. No geral, os encaixes das peças do Honda também são mais justos, tendo o GM piorado neste aspecto em relação à antiga versão. Os bancos do Civic chamam a atenção pelo formato bem esportivo, principalmente do encosto, enquanto os do Cruze são do tipo poltronas, mas no fim ambos acomodam bem. Espaço também não é problema: quatro adultos viajam confortáveis seja qual for o sedã escolhido (ambos têm bons 2,70 m de entreeixos). Mas o Cruze parece mais amplo (menos no espaço para as pernas), ajudado pelo revestimento claro da forração do teto. O Civic, todo escuro por dentro, sugere mais esportividade que amplitude.
O Honda de décima geração também corrige uma velha queixa dos donos de Civic. O porta-malas está maior do que nunca, com 519 litros. No Chevrolet a capacidade é significativamente inferior, de 440 litros, mas com a vantagem de o compartimento ser livre de reentrâncias (nem mesmo a caixa de roda influi no espaço), o que facilita a acomodação das bagagens. Ambos não fazem uso de braços pantográficos na tampa, uma solução inteligente que foi abandonada com o tempo até pelos rivais que já a utilizaram.
O painel de dois andares do antigo Civic deu lugar a um quadro de instrumentos dividido em três seções, sendo a central com o velocímetro digital dentro do conta-giros analógico. No Cruze, o cluster parece mais simples que antes, sem os “copinhos” que davam requinte ao modelo anterior. A posição de dirigir é muito boa em ambos, sendo mais esportiva e envolvente no Honda, que também oferece visibilidade mais ampla. Mas o Civic EX perde feio na parte de entretenimento, ao usar o mesmo (e complicado) sistema de som do HR-V, sem recursos extras (apenas Bluetooth) – quem quiser uma central de 7″ terá de levar a versão EXL. Já o Cruze LT traz o conhecido MyLink 2 de outros Chevrolets modernos, com conexão Apple CarPlay e Android Auto, além de navegação por setas – tudo fácil e intuitivo de usar. Para completar, só o GM vem com o OnStar, plataforma de monitoramento e serviços que permite, por exemplo, reduzir o custo do seguro por conta do rastreamento.
Em movimento, cada um tem seu temperamento. O Civic deu um salto enorme de qualidade de rodagem, sendo agora um carro bem mais silencioso e confortável, mas ao mesmo tempo muito conectado ao solo e com reações bem “vivas” – mérito da direção elétrica de relação variável, com apenas 2,2 voltas entre batentes. A suspensão manteve o sistema multilink na traseira, agora com subchassi, e a dianteira ganhou buchas hidráulicas. É um conjunto que a simplicidade do Cruze, com o trivial eixo de torção na traseira e buchas comuns na dianteira, não consegue igualar. O Civic é sempre mais sólido ao passar por pisos ruins e buracos, se mostrando suave na absorção de impactos e firme na dinâmica. É hoje o que temos de melhor na categoria.
O GM é claramente mais macio, mas sem que isso signifique maior conforto, pois ele não consegue isolar tanto a cabine do piso como faz o Honda. Sua rodagem “soft” é agradável, mas permite maior inclinação da carroceria nas curvas, bem como uma flutuação maior em altas velocidades – ainda assim com estabilidade muito boa. Entre na mesma curva com o Civic, porém, e você notará que o limite dele é mais alto, além de sua direção ser mais comunicativa e firme – o Cruze ficou com o volante muito leve e sem vida em velocidades de estrada. Outra melhora do Honda ocorreu nos freios, quesito no qual o antigo LXR 2.0 era um dos piores da categoria. O novo 2.0 freou em menos espaço que o Cruze, um dos melhores neste aspecto (veja resultados tabela de testes ao fim da reportagem).
Na hora de acelerar, o jeito “tiozão” do Cruze desaparece conforme o turbo enche os cilindros do pequeno motor 1.4. O torque de 24,5 kgfm surge logo cedo (2 mil rpm) e se mantém presente em quase toda a gama de rotações, tornando a dirigibilidade do GM muito prazerosa. Você pisa e ele responde vigoroso, sem lags ou necessidade de esperar o motor crescer de giro. Além disso, ele ganha velocidade em silêncio, coisa que o Civic não consegue fazer com seu 2.0 aspirado “berrando” por conta do câmbio CVT. Para que não conhece, a transmissão variável segura o motor em alta rotação quando exigimos tudo do acelerador, para a melhor resposta possível. Mesmo assim, falta força para acompanhar o pique do Cruze: são 19,5 kgfm de torque disponíveis somente a 4.800 rpm, ou seja, 5 kgfm a menos e numa rotação 2.800 rpm mais alta. A potência final é até maior no Civic (155 cv contra 153), mas na prática o GM é mais rápido em todas as situações.
O resultado foi um verdadeiro passeio do Cruze na pista de testes. Enquanto ele acelerou de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos, o Civic fez o mesmo em 9,9 s – o que parece pouco em tempo, mas em distância é um “caminhão”. Nas retomadas, novas vitórias folgadas, embora na prova de 80 a 120 km/h o Honda tenha diminuído a vantagem – em alta, a potência fala mais que o torque. Mesmo ficando para trás do rival, o Civic 2.0 está mais rápido que antes, e boa parte disso pode ser creditada na conta do CVT. Apesar de seu funcionamento não agradar a todos, ele garante uma condução isenta de trancos (já que não há trocas de marcha) e aproveita ao máximo o motor. Isso sem contar a opção de sete marchas virtuais para serem trabalhadas pelas aletas no volante, o que dá alguma graça nas reduções antes das curvas. Já o câmbio automático de seis marchas do Cruze é esperto e responde a contento na maioria das situações, mas de vez em quando dá um tranquinho.
O CVT fez bem também ao consumo do Civic, uma vez que faz o motor girar com giro baixo sempre que possível. Com etanol, o Honda registrou médias de 7,8 km/l na cidade e 11,2 km/l na estrada. Boas marcas, mas o Cruze fez valer a racionalidade de seu motor menor turbinado e conseguiu 8,1 km/l e 11,6 km/l, respectivamente, nas mesmas medições. Uma chatice do GM, no entanto, é o sistema stop/start (que ajuda no consumo urbano ao desligar o motor em paradas rápidas) não poder ser desativado. Para quem é calorento, como este que vos escreve, cada parada se torna um período sem o ventinho gelado do ar-condicionado. A GM alega que o sistema é inteligente e não desliga o motor em todas as paradas em dias quentes, mas na prática não foi isso que percebi. O jeito é “enganar” o sistema freando de leve ao parar no trânsito, ou soltando o freio para que o motor volte a funcionar e depois segurar no freio de leve para ele não desligar de novo. Funciona, mas custava colocar o botão de desativar o sistema como existe em nos outros carros com stop/start?
O Civic, ao contrário, oferece um conforto extra para a hora do rush. O freio de estacionamento elétrico conta com a função Hold, que segura o carro enquanto você está parado, sem necessidade de ficar apertando o pedal no semáforo fechado, por exemplo. Ao sair, basta acelerar que o freio é liberado.
Terminado o duelo, podemos afirmar sem medo que o Civic volta a ser protagonista do segmento. Ele é refinado em termos construtivos, dinâmicos e de acabamento, além de ter um visual que é atração certa nas ruas – o Cruze passava quase despercebido ao lado dele. Se tivesse o motor 1.5 turbo nesta versão EX, ele ganharia o comparativo sem dificuldade, mesmo custando um pouco mais. Mas quando o assunto é custo-benefício, o Cruze LT turbo oferece um pacote imbatível na categoria.
Texto e fotos: Daniel Messeder
Fichas técnicas
Cruze LT | Civic EX | |
Motor | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, turbo e intercooler, injeção direta, flex | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, comando simples variável na admissão, flex |
Cilindrada | 1.395 cm3 | 1.997 cm3 |
Potência | 150/153 cv a 5.200 rpm | 150/155 cv a 6.300 rpm |
Torque | 24/24,5 kgfm a 2.000 rpm | 19,3/19,5 kgfm a 4.700/4.800 rpm |
Transmissão | automática seis marchas com conversor de torque | automática CVT com conversor de torque |
Tração | dianteira | dianteira |
Direção | elétrica | elétrica com relação variável |
Suspensão | McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira | McPherson na dianteira com buchas hidráulicas e multilink na traseira |
Freios | discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira com ABS e EBD | discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira com ABS e EBD |
Rodas | liga leve aro 17 com pneus 215/50 R17 | liga leve aro 17 com pneus 215/50 R17 |
Peso | 1.321 kg | 1.291 kg |
Porta-malas | 440 litros | 519 litros |
Tanque | 52 litros | 56 litros |
Comprimento | 4.665 mm | 4.637 mm |
Largura | 1.807 mm | 1.800 mm |
Altura | 1.484 mm | 1.433 mm |
Entreeixos | 2.700 mm | 2.700 mm |
Preço fonte:http://carplace.uol.com.br/teste-carplace-novo-civic-2-0-ja-chama-o-cruze-1-4-turbo-para-o-duelo-do-ano/ | R$ 89.990 | R$ 98.400 |
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