Morar no exterior, relato de um imigrante
Morar no exterior relato de uma imigrante
Ms. Josiane Vill - UFSC
A opção de morar no exterior...
Morar no exterior nunca esteve presente nos meus objetivos de vida, nem
mesmo em meus sonhos. Porém, em 2006, surgiu uma oportunidade concreta de
morar em Londres (Inglaterra). Resolvi arriscar, afinal, como diz Pablo Neruda,
“morre um pouco a cada dia quem nunca arrisca algo novo ao menos uma vez”.
Desembarquei em Londres dia 31 de julho de 2006. Buscava aprender uma
segunda língua e, para isto, sabia que faria ou teria que fazer coisas diferentes que
nunca tinha feito antes, principalmente com relação a trabalho.
Contarei neste texto um pouco das minhas aventuras e desventuras durante
este tempo como estrangeira num país europeu.
Londres, cidade global...
A capital inglesa possui a maior população urbana da Inglaterra e do Reino
Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). Londres tem uma
população oficial de 7.512.400 habitantes. Sua população é uma mistura de
diferentes povos, culturas e religiões. São estimados em mais de 300 os idiomas
falados nesta Torre de Babel.
Eu realmente me sentia numa Torre de Babel, com os olhos e ouvidos
atentos a todas essas diferenças, pessoas vindas dos mais diferentes lugares do
mundo, diferentes culturas que se revelam em cada bairro, cada rua e cada
esquina. Andar de ônibus e ouvir várias línguas ao longo do mesmo trajeto é algo
muito comum e, nos primeiros dias, era algo que chamava muito a minha atencão.
Tinha a sensação real do que é estar na esquina do mundo e, por outro lado, a
noção de como o mundo é realmente pequeno. Aos olhos de um observador distraído, tudo parece muito igual: ruas inteiras
de casas com a mesma fachada. Mas uma observação mais atenta mostra uma
arquitetura herdada de diferentes momentos históricos: a Londres Romana, a
Londres Medieval, a Londres Elisabetana, a Londres Georgiana, a Londres
Vitoriana, a Londres Moderna, etc.
Aos olhos de quem chega pela primeira vez no velho continente tudo parece
ser lindo e encantador: uma cidade organizada, onde as coisas funcionam, com
transporte público eficiente, segurança e policiamento presente em todos os
lugares.
A Londres turística é umas das cidades mais visitadas do mundo. É linda e
merece ser explorada. Porém, mergulhar na Londres “real”, ou seja, na vida
cotidiana das pessoas e na rotina dos bairros foi minha primeira opção. O Bairro: meu lugar em Londres...
Fui conhecer esta Londres “real” no Bairro de Harlesden, no Noroeste da
cidade. Um bairro onde vivem predominantemente indianos, caribenhos –
jamaicanos, principalmente - e muitos africanos. Juntam-se a esta população mais antiga, imigrantes vindos dos mais diferentes países e uma grande quantidade de
brasileiros moram nesta parte de Londres atualmente. Isso foi uma coisa que me
chamou a atenção já nos primeiros dias na cidade. Os brasileiros são muito
numerosos nas ruas do bairro, nas lojas e no transporte público. Normalmente
escutava alguém conversando em português.
Uma amiga brasileira, que já mora em Londres há oito anos, me disse uma
vez que os moradores do bairro têm uma aparência sofrida demonstrada nas suas
feições muitas vezes séria e fechada ou mesmo sonolenta, adormecendo no
transporte público na volta do trabalho. Harlesden é um bairro de pobres num país
rico. A Londres que o turista não faz questão de conhecer ou nem sabe que existe.
É a Londres indiana, negra e multicultural, com cara de sofrida e cansada, como
sugeriu minha amiga.
Porém, estes pobres ricos têm acesso a bens públicos com relativa qualidade
(transporte, escolas, bibliotecas, praças e áreas de lazer). E, é claro, têm acesso ao
consumo de bens, afinal, vivem numa sociedade altamente consumista. Esta foi
uma das questões que mais me impressionou no velho mundo. O nível de consumo
aqui é algo impressionante. A quantidade de produtos disponíves no mercado é
enorme e as inovações tecnológicas estão ao alcance da maioria das pessoas.
Mesmo aquele trabalhdor cansado e sonolento que dorme no transporte na volta do
trabalho para casa pode ter o telefone celular de última geração.
Os custos de moradia em Londres não são baixos. Geralmente nós
imigrantes dividimos quartos e pagamos uma média de 50 libras por semana. Morar
com pessoas diferentes numa casa foi mais uma experiência nova para mim. Tive
que exercitar a convivência com o diferente, aprender a ser mais flexível, aceitar os
“defeitos” do outro e, muitas vezes, fazer uma auto-análise sobre meus próprios
defeitos.
A simples tarefa de ir às lojas fazer compras para a semana, no início, era
quase uma tarefa ridícula, no mínimo engraçada. Devido a grande variedade de
marcas, nem sempre compramos o que realmente desejavamos e o processo acaba
sendo de erros e acertos até dominarmos o básico necessário para fazer uma
compra sem surpresas. Não que este processo fosse longo, mas do meu ponto de
vista, foi bastante engraçado e enriquecedor. Por outro lado, existe aqui no bairro -
assim como em várias partes de Londres - uma explosão de lojas e restaurantes
que vendem produtos brasileiros e comida brasileira. Isto facilita a vida do imigrante
mais acomodado, além de possibilitar o acesso aos produtos mais caracteristícos da
nossa cozinha, especialmente lembrada quando queremos matar a saudade deA Língua falada...
Meu principal objetivo em Londres é aprender a Língua Inglesa. Comecei
meus estudos num curso de quatro semanas que já havia pago. O objetivo mostrouse menos fácil do que imaginava. Após o final deste período, pude perceber que as
escolas de inglês aqui não estão muito preocupadas com a qualidade do
aprendizado, mas sim mais preocupadas com seus “business”. Existe uma
infinidade de escolas, com diferentes propostas e valores. Na maioria das vezes são
cursos de pouca qualidade. Como não tive muito progresso no primeiro mês, resolvi
bancar mais dois meses de escola, o que não me custou muito barato. Como não
tinha muito dinheiro em caixa, logo tive que procurar um trabalho para poder me
manter. Outra dificuldade para aprender inglês deve-se à grande quantidade de
brasileiros vivendo por aqui. Você acaba se relacionando principalmente com
brasileiros, retardando um pouco o seu aprendizado da língua inglesa. Na realidade,
você consegue sobreviver em Londres sem falar inglês.
Trabalho...
Trabalhar e estudar não é uma tarefa muito fácil, e as prioridades vão
mudando aos poucos. Depois de seis meses em Londres sem ter evoluído muito no
aprendizado do inglês, resolvi ficar mais tempo na cidade, agora por minha conta e
sorte, já que o visto de turista expirou neste tempo. No início de minha estada aqui
não existia muita dificuldade para trabalhar. Com um telefonema e 50 libras você
conseguia uma carteirinha que te permite trabalhar. Isso, há um ano atrás. Hoje,
com os problemas econômicos rondando as portas da Inglaterra e com uma
legislação mudando constantemente para dificultar a vida dos imigrantes ilegais, as
coisas estão mais difícies. Existe uma demanda muito grande em Londres por
mão de obra não-qualificada (restaurantes, limpeza, entrega, construção civil) e
devido às características dessa sociedade as vagas são preenchidas por imigrantes
em situacão legal e ilegal.
Percebi que as relações de poder aqui ocorrem, em primeiro lugar, com
relação ao nível de proficiência no inglês. Esta observação foi feita observando a
relação entre os brasileiros no local de trabalho. Brasileiros que dominam melhor o
idioma, ou estejam há mais tempo por aqui, geralmente ocupam os cargos de
supervisores, e nem sempre são amigáveis. Pelo contrário, se usam da posição na
hierarquia para, muitas vezes, humilhar outros brasileiros. Outra situação triste que
tive conhecimento foi o caso de brasileiros com documentos europeus
(principalmente italiano) que acham que são melhores do que o imigrante semdocumentação. Ocorrem inclusive casos de denúncia ao Home Office (órgão da
imigração),brasileiros legalizados denunciam brasileiros em situação ilegal. Inclusive
é muito comum entre os brasileiros a máxima de que brasileiro não deve confiar em
brasileiro.
Voltando pra casa...
Agora, depois de um ano e oito meses nesta aventura, a saudade está
apertando e a volta ao Brasil não vai tardar. Fico por aqui até setembro. Junto
comigo vou levar na bagagem muitas histórias, aprendizado, amizades
conquistadas e uma experiência de vida que me fez crescer. Quando voltar, sei que
não volto para o mesmo lugar, pois vou olhar os mesmos lugares (meu Brasil, meu
estado, minha cidade, meu bairro) com outro olhar. Aprendi muito em relação ao
mundo. Esta aldeia global que cada vez está mais complicada, com seus tantos
problemas que nos fazem crer que existem. E assim, fico imaginado como seria
bom um mundo sem fronteiras onde as pessoas pudessem ir e vir, ficar e voltar
quando bem quisessem... Uma utopia, pois as fronteiras da Europa estão cada vez
mais fechadas para os países em desenvolvimento ou países pobres. Ou seja, o
mundo “rico” está sim num processo de fechamento, cada vez dificultando mais o
movimento das pessoas.
Este é um dos muitos e possíveis pontos de vista. Pude olhar, ver e sentir de
perto e de dentro uma Londres cheia de fronteiras. Vivi as fronteiras da língua, da
raça, das etnias, do dinheiro... Fronteiras que extrapolam as geopolíticas, ainda que
estas sejam cada vez mais fechadas. Josiane Vill é Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina em
Conservação dos Recursos Naturais. Enquanto aluna de Mestrado no ano de 2006
participou do processo de organização da Revista Discente Expressões
Geográficas.
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