Os 90 anos foram completados na quinta-feira, mas a comemoração aconteceu antes, no domingo passado, com dezenas de amigos e parentes em torno dela em seu apartamento, no Leblon. Tonia Carrero caminha com dificuldade — valendo-se às vezes de cadeira de rodas — e praticamente não fala, também consequência dos problemas motores. Mas quem estava presente registrou sua emoção.
— A alegria estava nos olhos dela — diz a neta Luiza Thiré.
E que olhos! “O monstro de olhos azuis” — assim ela era chamada, e assim batizou a autobiografia lançada em 1986. Luiza conta que a família pensa em criar uma peça a partir do livro. Ou seja, um espetáculo sobre Tonia, celebração de quem estreou no palco em 1949 (em “Um deus dormiu lá em casa”, de Guilherme Figueiredo) vencendo a resistência dos pais e de seu marido, o artista plástico Carlos Thiré. Musa de Ipanema nascida na Tijuca, Maria Antonieta Portocarrero, a Mariinha, virou a musa nacional Tonia Carrero, legando a paixão pela arte aos descendentes.
— Ela abriu esse caminho na família. Teve muita ousadia, coragem. Sempre soubemos como ela é importante — exalta o filho único, Cecil Thiré, seu parceiro em muitos trabalhos, pai de três atores, um músico e que já tem um dos cinco netos envolvido com teatro.
Um marco em 1967
A importância de Tonia como atriz levou quase 20 anos para ser reconhecida. As atuações em comédias ligeiras e filmes leves da Vera Cruz consolidaram a imagem de uma artista menor de beleza maior — capaz de entorpecer Rubem Braga, Paulo Mendes Campos (“Ela iluminava Ipanema, as praias, a sala, as ruas”, escreveu ele), Di Cavalcanti e todos de quem era próxima.
Trabalhar com o amigo Paulo Autran em peças como “Otelo”, “Macbeth”, “Entre quatro paredes” e “Seis personagens à procura de um autor” não dobrou a maior parte da crítica, que só sucumbiu em 1967, quando ela viveu a desbocada prostituta Neusa Sueli de “Navalha na carne”, de Plínio Marcos, e ganhou seu primeiro prêmio Molière.
— Foi um dos grandes marcos do teatro brasileiro. Mas Tonia já era excelente muito antes disso. Foi discriminada pelo fato de ser tão linda — afirma Gilberto Braga, que a admirava quando era crítico de teatro do GLOBO e, depois, criou personagens para ela nas novelas “Água viva” e “Louco amor”.
— Acho que as pessoas ficavam embevecidas diante de tanta beleza e não percebiam que ela era uma atriz maravilhosa — diz a amiga de longa data Jaqueline Laurence, que esteve na festa de domingo ao lado de Eva Wilma, Irene Ravache, Nathalia Timberg, Camilla Amado, Mauro Mendonça e outros.
Tania Carvalho, autora do livro “Tonia Carrero — Movida pela paixão” (2009), diz que, nas entrevistas, a atriz não demonstrou mágoa pela demora em ser reconhecida. Mas a jornalista está certa de que foi “de caso pensado” que Tonia escolheu “Navalha na carne”.
— Ela calou a boca de todos — diz. — Podia ter ficado na comédia ligeira, mas se aventurou. E namorou muito, casou muito, bebeu muito, viveu muito.
A atriz — cujos outros maridos foram o diretor Adolfo Celi e o engenheiro e boêmio Cesar Thedim — daria outro salto em 1986, quando convidou Gerald Thomas para dirigi-la em “Quartett”, de Heiner Müller. Ela e Sergio Britto se arrastavam na terra e falavam escatologias. Ganhou outro Molière.
— Tonia e Sergio se desentenderam, não houve harmonia. Mas foi prazeroso trabalhar com ela — recorda Gerald.
Em 2003, ela pediu a Moacyr Góes uma entrada em cena que lhe garantisse aplausos do público em “A visita da velha senhora”, de Dürrenmatt.
— E o público aplaudia mesmo. Ela é uma das nossas últimas divas e tem consciência disso. Atuava com altivez, imponência. O elenco, cheio de veteranos, se sentia fazendo “a peça da Tonia” — conta o diretor.
O amigo Ney Latorraca, que foi seu filho no filme “A bela Palomera”, diz que a viu em “Constantina”, de Somerset Maugham, em 1974, e em seguida viu Ingrid Bergman no papel em Nova York. E garante que Tonia era melhor:
— Sempre foi uma estrela.
O filme “Chega de saudade” (2008) foi o último trabalho de Tonia.
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