Na semana passada, duas publicações que se consideram como defensoras da mulher se encararam em duelo —e o resultado foi inesperado.
O site "Jezebel", que ganhou fama ao protestar contra a artificialidade nas revistas femininas, anunciou na quinta-feira (22) o que parecia uma subversiva manobra feminista: ofereceu US$ 10 mil (cerca de R$ 24 mil) a qualquer pessoa que fornecesse ao site versões sem retoques das fotos para as quais Lena Dunham posou na nova edição de "Vogue", com o objetivo de revelar "quantos quilos Dunham perdeu com a dieta Vogue de retoque digital", nas palavras da revista "The Cut". No dia seguinte, o site postou as originais.
As fotos sem retoques atraíram mais de um milhão de visitas —mas o exercício também atraiu reações negativas. Em poucas horas, o site estava sofrendo acusações de insensibilidade e intimidação, enquanto "Vogue", uma revista que algumas feministas há muito adoram odiar, atraía elogios por dar espaço a uma mulher cujo corpo em nada se parece com o de uma top model.
Reprodução Jezebel | ||
Fotos de Lena Dunham para a 'Vogue' americana, sem e com Photoshop |
Para muitos leitores, "Jezebel" parecia ter selecionado o alvo errado, uma atriz e roteirista que conseguiu um corpo "diferente" —ou seja, típico de uma pessoa real— nas telas de TV. E ainda que "Vogue" tenha retocado muito os fundos das fotos, ela deixou o corpo de Dunham, criadora e protagonista da série "Girls", na rede de TV a cabo HBO, essencialmente intocado.
"Se eles querem imagens sem retoques de Lena Dunham, posso lhes vender meus DVDs da primeira temporada de 'Girls'", brincou o crítico de TV James Poniewozik no Facebook, em referência às cenas de nudez sem constrangimentos interpretadas por Dunham. Veteranos "Jezzies", o apelido pelo qual são conhecidos os leitores do site, se queixaram na seção de comentários. Mesmo Anna Holmes, a criadora do Jezebel, declarou em entrevista estar "surpresa" com o que suas sucessoras fizeram.
O truque pode ter fracassado por outro motivo: as feministas ultimamente parecem ter conquistado a vitória —ou ao menos avanços importantes— em sua luta contra revistas desse tipo.
Em lugar de aconselhar mulheres sobre como satisfazer os homens, a edição de fevereiro da "Cosmopolitan" insta suas leitoras a não ignorar a possibilidade de contratos pré-nupciais sobre o futuro patrimônio do casal, porque podem a vir ganhar mais do que os maridos. Na edição mais recente de "Glamour", as primeiras dezenas de páginas trazem inúmeras fotos de modelos e atrizes negras, e uma atleta deficiente física. Na "Vogue", a editora Anna Wintour declara em seu editorial que Dunham "é muito perfeita para a revista" exatamente por não ser uma escolha convencional.
"Não compreendo por que, com ou sem Photoshop, ter uma mulher diferente da típica garota da capa de 'Vogue' na revista seja considerado ruim", declarou Dunham à versão francesa da revista "Slate", em resposta à controvérsia.
Por décadas, as revistas femininas fizeram às feministas o favor de lhes oferecer alvos claros, ilustrações mensais sobre as atitudes sociais restritivas contra as quais o feminismo combatia.
Em março de 1970, quase 100 mulheres ocuparam o escritório do homem que editava a revista feminina "Ladies' Home Journal" por 11 horas. No ano seguinte, Gloria Steinem e algumas colegas criaram a revista "Ms." Mas as revistas femininas nem sempre foram tão fúteis quanto as caricaturas sobre elas sugerem: "Cosmopolitan" mapeou um percurso de libertação próprio, explorando tópicos até então vistos como tabus, a exemplo do câncer de mama, e a "Seventeen" deu a escritoras como Sylvia Plath, Ann Patchett e Adrian Nicole LeBlanc espaço regular para seus textos, e uma fonte de renda.
Mas seu prato principal continuava a ser modelos brancas e magérrimas; fórmulas para conquistar a aprovação masculina; e a "criação de inseguranças que mais tarde as revistas mesmas ajudariam a resolver", nas palavras de Holmes.
Em 2007, Holmes criou o Jezebel, controlado pela Gawker Media, como alternativa a —e arma de ataque contra— revistas como "Glamour" e "InStyle", para as quais ela havia trabalhado.
No seu primeiro ano, quando o site publicou a versão sem retoque da foto da estrela country Faith Hill para a "Redbook", foi elogiado por inspirar uma nova onde de questionamento sobre imagens que em nada se pareciam com as de mulheres reais. A "Redbook" removeu as manchas escuras sob os olhos de Hill, e uma porção significativa de sua gordura corporal.
Mas desde então, as capas e o conteúdo das revistas mudaram. "As mulheres mudaram e nossa cultura em geral mudou", disse Cindy Leive, editora chefe da "Glamour", em entrevista. A "Vogue" prometeu no ano passado que não mais usaria modelos que "pareçam sofrer de distúrbios alimentares", e a "Glamour" expandiu seu uso de modelos cheinhas.
Em 2011, Gloria Steinem aceitou o prêmio "mulher do ano", conferido pela "Glamour", se aproximando de um gênero de publicação que no passado ela criticava,
Em entrevistas, Leive, da "Glamour", e Joanna Coles, editora da "Cosmpolitan", dizem sempre acompanhar pelo Twitter e outros meios digitais se suas leitoras estão se sentindo bem representadas. "Se você não o fizer, parecerá antiquada e datada", disse Leive. A edição de fevereiro da "Cosmopolitan", por exemplo, oferece avisos sobre como "aparecer e se defender" no trabalho, e um artigo sobre casais que tomam decisões conjuntas sobre abortos.
Jessica Coen, editora do Jezebel, disse em entrevista que ainda valia a pena combater as revistas femininas. "Continuamos a falar de um setor e estética que nos diz que olheiras são inadmissíveis", ela afirma, defendendo a publicação das fotos de Dunham sem retoques.
No entanto, Roxane Gray, parte de uma nova leva de críticas feministas que vêm conquistando atenção recentemente, disse que a "Vogue" e suas congêneres não eram grande preocupação. "A linha de frente agora não está na revistas femininas", afirma. Gay diz que em lugar disso seu foco está na "erosão da classe média" —e que prefere apreciar as revistas pela fantasia que são.
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