O gasto com aposentadorias no Brasil é superior à arrecadação da Previdência desde abril de 1997. Com isso, anualmente, o Tesouro tem de desembolsar alguns bilhões para cobrir o rombo. Na perspectiva do trabalhador, cuja contribuição previdenciária morde até 11% dos salários, uma reforma que diminua as aposentadorias não é bem-vinda. Por isso, o fator previdenciário sempre foi um vilão. Trata-se de um múltiplo criado no governo Fernando Henrique Cardoso que influencia o cálculo do benefício. A conta é simples: multiplica-se a média dos maiores salários recebidos pelo aposentado na vida ativa (até o limite de 4.4663 reais) por esse múltiplo, que é calculado com base na idade do beneficiário, seu tempo de contribuição e sua expectativa de vida. Quanto menor for a idade e o tempo, menor é o múltiplo - cujo valor máximo é 1. Isso significa que o trabalhador tem de contribuir mais para que o múltiplo não reduza o valor de sua aposentadoria. A Medida Provisória que deve ser sancionada pelo governo na quarta prevê mudanças no fator que beneficiam o trabalhador porque permitem que as aposentadorias sejam pagas em seu valor integral quando a soma da idade mais tempo de contribuição das mulheres chegue a 85, e, para homens, a 95. Com o fator, em muitos casos, essa soma não significaria o ganho integral. O governo quer vetar tais mudanças e negocia uma fórmula alternativa. Sabe que a flexibilização do fator pode impulsionar o rombo previdenciário.
A realidade, contudo, é que com ou sem fator previdenciário, o Brasil tem um problema grave a resolver nos próximos anos. A curva demográfica caminha para a seguinte direção: a população em idade ativa, que é maioria hoje, envelhecerá sem que haja um contingente semelhante de jovens no futuro para arcar com os custos da aposentadoria. Se, no período atual, em que o Brasil desfruta do bônus demográfico, ou seja, tem mais pessoas em idade ativa do que aposentados, a Previdência é deficitária, as perspectivas para os próximos anos são temerosas. Segundo dados da OCDE, o Brasil gasta 11% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a riqueza total produzida pelo país, para custear aposentadorias, enquanto apenas 7% de sua população tem mais de 65 anos. Em relação ao PIB, o gasto é proporcional ao da Alemanha. Contudo, os idosos alemães somam mais de 20% dos habitantes do país europeu. Em 2050, o Brasil deverá ter 30% da população acima de 60 anos, enquanto os gastos com a Previdência deverão representar 24% do PIB - uma carga que o país, talvez, não possa suportar porque o número de brasileiros em idade ativa tende a diminuir. Em 2008, eles eram 64%. Em 2050, serão 57% da população, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Uma das alternativas previstas pelo governo é escalonar a proporção 85/95. A presidente Dilma Rousseff discute a possibilidade elevar esse número paulatinamente a 86/96, 87/97, até que se chegue a 90/100. Essa proposta poderia render ganhos ao governo no curto prazo, mas perdas a partir do terceiro ou quarto ano. Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, esse fôlego se dá porque os contribuintes que iriam se aposentar sem ter completado o tempo mínimo exigido - porque, pelo peso do fator, completar o tempo mínimo nem sempre traz ganhos compatíveis com a espera - poderiam optar por aguardar a totalidade do tempo, avaliando que a nova regra elevaria o valor da aposentadoria num patamar atrativo. Esse intervalo, diz Velloso, poderia render um saldo positivo ao governo nos primeiros anos. Contudo, a conta não demoraria a entrar no vermelho conforme mais contribuintes aderissem à aposentadoria. "Se, na fase inicial, em que o governo ganharia mais com a arrecadação da Previdência, esse dinheiro fosse aplicado para custear o saldo negativo do futuro, a mudança no fator não seria má ideia. O problema é ter a garantia de que isso vai acontecer. Sabemos que não vai, e que a sobra vai ser torrada no momento em que surgir nos cofres", diz Velloso.
Para o economista, a flexibilização do fator não é um problema, se viesse acompanhada de uma urgente reforma do sistema previdenciário. Velloso elaborou um estudo, em parceria com outros três colegas, em que detecta os problemas do sistema e sugere mudanças para torná-lo mais sustentável no longo prazo. O economista recomenda a imposiçãhttp://veja.abril.com.br/noticia/economia/previdencia-com-ou-sem-o-fator-a-conta-nao-fechao de uma idade mínima para a aposentadoria, em torno de 60 anos, a mudança nas regras de pensões por morte (o estudo foi feito antes das alterações aprovadas recentemente pelo Congresso), e o fim da indexação dos benefícios. Como o mínimo é indexado ao piso previdenciário, sempre que o salário é reajustado acima da inflação, o mesmo ochttp://veja.abril.com.br/noticia/economia/previdencia-com-ou-sem-o-fator-a-conta-nao-fechaorre com o piso da aposentadoria - trazendo um impacto fiscal imediato. O Brasil possui mais de 16 milhões de benefícios previdenciários e 4 milhões de benefícios assistenciais equivalentes ao mínimo. Se as mudanças propostas por Velloso fossem feitas, o economista estima que o governo gastaria, em 2050, 12% do PIB com aposentados - metade do previsto sem a reforma.
Num contexto em que o mundo não tem muita certeza de que o Brasil conseguirá honrar suas próprias contas este ano, a flexibilização do fator sem qualquer sinalização de reforma cai como uma bomba no colo do ministhttp://veja.abril.com.br/noticia/economia/previdencia-com-ou-sem-o-fator-a-conta-nao-fecharo da Fazenda, Joaquim Levy. Determinado a conseguir cumprir a promessa de economizar ao menos 1,1% do PIB para o pagamento dos juros da dívida, Levy pode ver seu esforço ir por água abaixo caso o governo se comprometa com gastos futuros além do previsto num setor que já é deficitário. A previdência gastou 56,6 bilhões de reais a mais do que arrecadou em 2014. A conta é paga pelo Tesouro, ou, em última instância, pelo contribuinte. Para o economista Fabio Giambiagi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma alternativa que não causaria tanta animosidade aos observadores da economia brasileira seria aliar a idade mínima à flexibilização do fator previdenciário. Para ele, os conceitos não são antagônicos. "A tabela do fator continuaria valendo para a parte do limite de tempo de serviço", afirma. Segundo Giambiagi, com a aprovação da flexibilização do fator tal como está na MP, agências de classificação de risco como a Standard & Poor's pensariam algumas vezes antes de reafirmar a nota de crédito do Brasil. "Com um país que possui déficit público de 7% do PIB e um problema previdenciário enorme em perspectiva, um aumento das aposentadorias futuras é um tiro no pé", diz.
Segundo Giambiagi, a única medida eficaz seria a reforma, que o governo nhttp://veja.abril.com.br/noticia/economia/previdencia-com-ou-sem-o-fator-a-conta-nao-fechaão sinaliza intenção de fazer. "É preciso ter um conjunto de requisitos que inclui diagnóstico, articulação política e empenho. E nada disso o governo está disposto a fazer hoje", afirma. Em seu livro Além da Euforia, escrito em parceria com o economista Armando Castelar, e lançado em 2014, Giambiagi dedica um capítulo a um estudo detalhado da previdência, em que aborda as razões que fazem com que governos não queiram resolver o problema do envelhecimento populacional. O diagnóstico da dupla é certeiro: "A razão pela qual isso não ocorre deve ser encontrada na lógica política: governos têm dificuldade em lidar com o fenômeno do envelhecimento progressivo das sociedades, pois, para isso, são necessárias medidas impopulares. À impopularidade do tema se soma o fato de que os problemas trazidos por essa transição demográfica só vão se tornar críticos no futuro".
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