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A crise chega à ciência



O laboratório da professora Helena Nader, bióloga e presidente daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fica no oitavo andar de um dos prédios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para chegar lá, como de costume em prédios desse porte, basta pegar o elevador. Porém há um detalhe: há semanas o elevador não funciona direito. Pergunto a Helena se isso já é uma evidência de que a crise econômica chegou à ciência. "O governo cortou o custeio de todo mundo. No nosso caso, isso significa contratar uma firma que não conserta o elevador. Então, nós subimos oito andares de elevador, mas descemos de escada todos os dias." O caso poderia ser apenas uma anedota no mundo das universidades, mas não. No atual cenário de crise econômica, é o exemplo perfeito sobre o que pode acontecer com a ciência no Brasil. A queda na arrecadação e os cortes no orçamento já afetam pesquisa e desenvolvimento, e ameaçam provocar um verdedeiro apagão científico no país.


Infográfico sobre crise na ciência  (Foto: Giovana Tarakdjian/ÉPOCA  )



A crise de financiamento na ciência não começou agora. Ela já vem se arrastando desde o ano passado, especialmente com a pressão por causa da alta do dólar, já que muitas vezes equipamentos de laboratório precisam ser importados. Só que piorou a partir de julho deste ano, quando o governo parou de repassar os recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma agência de fomento para pesquisas de pós-graduação no país. A Universidade Federal da Bahia (UFBA), por exemplo,anunciou que estava simplesmente paralisando seu programa de pós-graduação, já que sofreu corte de 75% nos recursos da Capes. Outros anúncios se seguiram, com o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) dizendo que o corte "afeta de modo irreparável cada um dos programas de pós-graduação da UFRJ e das demais universidades públicas".
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) negou o corte de 75%. Segundo o governo, houve um contingenciamento dos recursos, mas o valor voltará a ser pago. Porém, ainda assim 10% dos recursos deverão ser cortados. "A Capes assegura o repasse de 1,65 bilhões de reais para os seus programas de pós-graduação. O montante é equivalente a 90% do valor previsto para 2015", disse o MEC.
A verdade é que, mesmo com o governo prometendo pagar as bolsas, a crise já é sentida em diversas esferas do universo científico brasileiro. De uma maneira geral, podemos resumir os cortes ou contigenciamentos atuais em quatro pontos:
1. Corte de 10% do valor do custeio da Capes
O governo bloqueou 75% do valor de custeio da Capes, paralisando os trabalhos de pós-graduação de algumas universidades. Segundo o MEC, esses recursos não foram cortados - eles serão liberados aos pouco, em pagamentos parcelados. Porém, o governo disse que só garante o pagamento de 90% do montante. Ou seja, na prática, há um corte de 10%.
2. Redução dos recursos dos Fundos Setoriais
A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) é uma empresa pública criada para investir em ciência. Ela tem 16 fundos setoriais voltados para áreas específicas. Por exemplo, o fundo da Amazônia recebe recursos da arrecadação da Zona Franca de Manaus, e esse dinheiro é usado para pesquisa na Amazônia. Com a crise econômica, a arrecadação dos fundos cai, e a Finep consequentemente repassa uma verba menor para pesquisa científica.
3. Paralisação dos editais dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs)
O governo criou em 2008 mais de cem institutos para desenvolver desde pesquisa básica como de ponta. Eles tinham validade de sete anos. Após o término, é preciso julgar os INCTs para saber quais merecem continuar o trabalho, quais serão interrompidos ou substituídos. O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI) já publicou um novo edital para renovar os institutos, mas não tem recursos para honrar o edital. O processo está parado, e os institutos sem dinheiro.
4. Crise nos programas estaduais
A crise também atinge órgãos estaduais de ciência. Em São Paulo não há cortes, mas os Institutos de Pesquisa operam com apenas metade do número dos pesquisadores considerado necessário. No Rio, a Fundação de Amparo a Pesquisa (Faperj) interrompeu momentaneamente a liberação de novos recursos. No Rio Grande do Sul, o governo enviou projeto de lei para acabar com a Fundação Zoobotânica e o Museu de Ciências Naturais.
"É a escolha de Sofia", diz a professora Helena Nader, referindo-se ao filme em que a personagem Sofia, interpretada pela atriz Meryl Streep, precisa escolher qual dos dois filhos vive. "Não é culpa do ministro Janine [Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação antes da reforma ministerial] ou do ministro Rebelo [Aldo Rebelo, então ministro da Ciência]. Eles tiveram de se adequar a um orçamento menor e escolher onde cortar. E para fazer isso, decidiram manter as bolsas dos estudantes e cortar no custeio". A rubrica do custeio, no entanto, é a grande pegadinha. Ela cobre desde a compra de lápis e canetas até equipamentos científicos. Ou manutenção de elevadores. Se por um lado é importante priorizar as bolsas de jovens cientistas, por outro, o corte do custeio pode deixá-los sem laboratórios, equipamentos e o material necessário para fazer pesquisa.
Não bastassem os cortes, a questão da alocação de recursos também chama a atenção da SBPC, especialmente no caso do programaCiência sem Fronteiras, um dos carros-chefe da política para a educação do governo.  O programa investe na formação de alunos de graduação em universidades no exterior. Acontece que quando o Ciência sem Fronteiras foi criado, em 2011, o governo não gerou novos recursos para ele. Em vez disso, alocou o programa no orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC). As associações científicas dizem que o Ciência sem Fronteiras está, na prática, tirando dinheiro do desenvolvimento de ciência e inovação para financiar a graduação.
As tentativas para desatar o nó no investimento da ciência existem, mas são ainda tímidas. Segundo o professor Jacob Palis, presidente da Academica Brasileira de Ciências (ABC), uma das saídas que estão sendo negociadas, mas ainda está nos bastidores, seria um convênio ou empréstimo feito pelo governo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os recursos poderiam ser usados para liberar os editais dos INCTs. Retirar o Ciência sem Fronteiras do fundo da pós-graduação é outra demanda para evitar cortes em pesquisa, e as associações científicas continuam pedindo uma porcentagem nos recursos dos royalties do petróleo. Mas a medida favorita de Palis é uma saída pouco explorada no Brasil:incentivos para o financiamento privado na ciência.
"Nós precisávamos criar uma espécie de Lei Rouanet para a ciência e tecnologia", diz, referindo-se à lei que cria incentivos fiscais para empresas investirem em cultura. "Poderia ser um mecanismo para incentivar pessoas e empresas a doar para instituições científicas e abater parte desse valor no Imposto de Renda". O exemplo que ele dá é o de uma das mais importantes instituições científicas do mundo, a academia de ciências do Reino Unido, conhecida como Royal Society. Essa instituição recebeu, ao longo da história, doações de terrenos, prédios e recursos de empresas, milionários e entusiastas da ciência. Não por acaso, a Royal Society financiou e publicou trabalhos de cientistas distintos, de Isaac Newton a Stephen Hawking. Um artigo publicado em ÉPOCA em junho abordou esse ponto, com o sugestivo título Por que os milionários brasileiros não doam suas fortunas a universidades?.
E foi do Reino Unido que tive a melhor definição de como a ciência brasileira pode enfrentar a crise econômica. No começo de setembro, o Conselheiro-Chefe para Assuntos Científicos do Reino Unido, Robin Grimes, veio ao Brasil para assinar acordos de cooperação científica. Perguntei a ele como a Europa resistiu aos cortes durante a crise financeira de 2009. "É uma questão de a sociedade mostrar aos políticos que se importa com ciência", disse. "Mostrar que ideias científicas podem ser transformadas em prosperidade, em empregos, em novos produtos. No Reino Unido, nós nos beneficiamos desse entendimento e conseguimos passar a crise com um orçamento estável". Ou seja, não é apenas criticar e reclamar dos cortes. Nós, como cidadãos, também temos que mostrar que nos importamos com a ciência, sob a pena de ver o desenvolvimento do Brasil usando escadas enquanto os demais países sobem de elevador.

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