Que Marina, que nada. A mulher que foi assunto entre os formadores de opinião
na internet na semana passada foi a atriz
Jennifer Lawrence. Não pelo desempenho em X-Men ou Jogos vorazes, mas pelas fotos suas que vazaram para a rede.
na internet na semana passada foi a atriz
Jennifer Lawrence. Não pelo desempenho em X-Men ou Jogos vorazes, mas pelas fotos suas que vazaram para a rede.
Que fotos? Ora, não se faça de besta. Não é todo dia que aproximadamente 100 atrizes e modelos ganham a rede com selfies nuas – “nudies”, para os íntimos. Todo mundo começou a semana com alguma menção às tais fotos, pela imprensa ou por link direto. Quem quisesse buscá-las não deveria ir ao Google, pois lá só encontraria montagens de Photoshop. Para encontrá-las, era preciso sujar as mãos nos fóruns de compartilhamento. Uma vez disponíveis, não era preciso um exame detalhado para saber que as imagens eram reais. A baixa qualidade e a quantidade de grãos deixavam claro que eram fotos caseiras, de smartphones.
>> É crime olhar?
A distribuição começou no fim de semana, quando Jennifer entrou involuntariamente para os tópicos mais movimentados do Twitter. A festa durou algumas horas, até o Twitter acabar com a graça de muita gente, ao suspender contas que divulgavam as fotos. O estrago já estava feito.
A distribuição começou no fim de semana, quando Jennifer entrou involuntariamente para os tópicos mais movimentados do Twitter. A festa durou algumas horas, até o Twitter acabar com a graça de muita gente, ao suspender contas que divulgavam as fotos. O estrago já estava feito.
>> O que o vazamento de fotos íntimas de celebridades ensina a todos nós
Presentes em vários fóruns populares como 4Chan, Imgur e AnonIB, as fotos chegaram ao serviço de compartilhamento de links Reddit, onde conquistaram a audiência de centenas de milhares de pessoas. Ali também ganharam um nome, “fappening”, mistura de “happening”, acontecimento, com “fap”, onomatopeia para o ato de se masturbar. Nome que dá uma boa ideia do nível do compartilhamento.
A quantidade de fotos e as diferentes épocas em que foram tiradas deixavam claro que não deveriam ser fruto da ação de um único criminoso nem de uma única técnica.
Entre as teorias que correram pelos fóruns de discussão, uma chamava a atenção para um grupo de hackers chamado n00d. Segundo essa explicação, os integrantes do n00d atuam na deep web, a camada da internet em que as páginas não são detectadas pelos buscadores-padrão e em que é mais fácil manter o anonimato. Eles são conhecidos por trocar “figurinhas” – fotos de celebridades obtidas à revelia das donas. A única forma de entrar para o grupo é trazer fotos inéditas ou comprar a entrada, pagando na moeda digital bitcoin. As “figurinhas” valem de acordo com ineditismo, importância ou indecência. O grupo continuaria no anonimato, se um dos integrantes não tivesse cedido à tentação de vender imagens. Cientes que tal venda desvalorizaria as outras coleções, outros hackers tentaram liquidar o que restava de seu acervo. Em minutos, o conjunto de fotos estava disponível, sem mais nenhum valor de troca.
Imagina-se que os hackers atacaram individualmente as celebridades. Devem ter usado técnicas de engenharia social, sem usar de tecnologia, para descobrir dados pessoais e adivinhar senhas. E também aplicativos de análise técnica, baixados de repositórios de pirataria e anabolizados com pedaços de código aberto.
A grande vítima foi o serviço iCloud, da Apple. Por causa de algumas falhas de segurança, ele se tornou vulnerável a ataques repetidos. A Apple reconheceu o erro e consertou os buracos na segunda-feira da semana passada. Boa parte dos serviços digitais ainda é muito nova, e os benefícios chamam mais a atenção que as obrigações. A complexidade do software nos telefones, da rede e da infraestrutura torna difícil identificar ou eliminar vulnerabilidades. Os fornecedores, espertos, lavam as mãos e transferem a culpa aos usuários.
O mais curioso é ver que muitas das críticas, na opinião pública, dirigem-se às vítimas, quando o serviço da Apple deveria ser o criticado. Mais de 300 milhões de pessoas usam serviços na nuvem. Elas não podem ser desrespeitadas em sua confiança. O que aconteceu foi uma invasão criminosa. É coisa para o FBI. A fotografia predatória é anterior à rede. Se, antes, temia-se o paparazzo, hoje ele não se compara ao dano que pode ser autoimposto por um selfie.
Por que uma celebridade levaria fotos nuas em seus smartphones? Vários motivos podem justificar o ato, principalmente se considerada a idade das vítimas, em seus 20 e poucos anos. Atores e músicos passam semanas longe de seus amores quando estão em filmagens ou turnês. O envio de fotos pode ser uma tentativa de manter a intimidade à distância. Um selfie no espelho do banheiro também serve para medir o progresso de uma dieta. E há a simples vontade de uma jovem atriz tirar uma foto nua. O celular e o corpo são dela. Ninguém tem nada a ver com isso. A maioria das fotos provavelmente estava nos telefones por ingenuidade. Muitos não se dão conta de que serviços como o iCloud copiam automaticamente as fotos de seus iPhones para a rede. Conveniências parecidas são oferecidas por serviços como Google Drive, Dropbox e OneDrive.
“Ela não deveria posar nua se não fosse capaz de enfrentar a opinião pública”, dizem até alguns bem-intencionados. Não percebem que compactuam com o crime. Seguindo a mesma lógica, não se deve sair de casa, sob o risco de violência. Quem anda na rua em Monróvia tem preocupações diferentes do habitante de Estocolmo. Vigilância e a invasão de privacidade são crimes. Não devem ser encarados com normalidade, sob o risco de anestesiar para violências cada vez maiores.
A internet, em sua maior parte, ainda é um clube de meninos. Muitos deles, covardes, escondem-se por trás do anonimato para manifestar opiniões primitivas e tratar mulheres e seus corpos como moeda e propriedade. Mesmo em países aparentemente esclarecidos, mulheres precisam em seu cotidiano ignorar comentários sexistas, ameaças e perseguições. Uma vez atacadas, esperam-se delas “espírito esportivo” e a capacidade de reagir com elegância.
Com tantas imagens de mulheres disponíveis on-line, as fotos de celebridades nuas podem parecer inofensivas. Não são. São o resultado de uma cultura machista, que associa o sexismo das revistas masculinas ao anonimato da rede. Nessa visão de mundo, seus corpos não merecem privacidade ou integridade.
A proliferação da pornografia gratuita mudou as expectativas com relação ao corpo feminino. Muitos vídeos em sites adultos incluem atitudes agressivas e ameaçadoras contra as mulheres. Mesmo quando uma mulher é autora da violência, o alvo é outra mulher. O resultado é uma sociedade misógina, impaciente e intolerante, cada vez mais violenta contra a mulher. Não há nada particularmente revelador em um corpo nu num iPhone. A não ser, em alguns casos, a beleza da confiança no parceiro, com quem se compartilha esse corpo.
Presentes em vários fóruns populares como 4Chan, Imgur e AnonIB, as fotos chegaram ao serviço de compartilhamento de links Reddit, onde conquistaram a audiência de centenas de milhares de pessoas. Ali também ganharam um nome, “fappening”, mistura de “happening”, acontecimento, com “fap”, onomatopeia para o ato de se masturbar. Nome que dá uma boa ideia do nível do compartilhamento.
A quantidade de fotos e as diferentes épocas em que foram tiradas deixavam claro que não deveriam ser fruto da ação de um único criminoso nem de uma única técnica.
Entre as teorias que correram pelos fóruns de discussão, uma chamava a atenção para um grupo de hackers chamado n00d. Segundo essa explicação, os integrantes do n00d atuam na deep web, a camada da internet em que as páginas não são detectadas pelos buscadores-padrão e em que é mais fácil manter o anonimato. Eles são conhecidos por trocar “figurinhas” – fotos de celebridades obtidas à revelia das donas. A única forma de entrar para o grupo é trazer fotos inéditas ou comprar a entrada, pagando na moeda digital bitcoin. As “figurinhas” valem de acordo com ineditismo, importância ou indecência. O grupo continuaria no anonimato, se um dos integrantes não tivesse cedido à tentação de vender imagens. Cientes que tal venda desvalorizaria as outras coleções, outros hackers tentaram liquidar o que restava de seu acervo. Em minutos, o conjunto de fotos estava disponível, sem mais nenhum valor de troca.
Imagina-se que os hackers atacaram individualmente as celebridades. Devem ter usado técnicas de engenharia social, sem usar de tecnologia, para descobrir dados pessoais e adivinhar senhas. E também aplicativos de análise técnica, baixados de repositórios de pirataria e anabolizados com pedaços de código aberto.
A grande vítima foi o serviço iCloud, da Apple. Por causa de algumas falhas de segurança, ele se tornou vulnerável a ataques repetidos. A Apple reconheceu o erro e consertou os buracos na segunda-feira da semana passada. Boa parte dos serviços digitais ainda é muito nova, e os benefícios chamam mais a atenção que as obrigações. A complexidade do software nos telefones, da rede e da infraestrutura torna difícil identificar ou eliminar vulnerabilidades. Os fornecedores, espertos, lavam as mãos e transferem a culpa aos usuários.
O mais curioso é ver que muitas das críticas, na opinião pública, dirigem-se às vítimas, quando o serviço da Apple deveria ser o criticado. Mais de 300 milhões de pessoas usam serviços na nuvem. Elas não podem ser desrespeitadas em sua confiança. O que aconteceu foi uma invasão criminosa. É coisa para o FBI. A fotografia predatória é anterior à rede. Se, antes, temia-se o paparazzo, hoje ele não se compara ao dano que pode ser autoimposto por um selfie.
Por que uma celebridade levaria fotos nuas em seus smartphones? Vários motivos podem justificar o ato, principalmente se considerada a idade das vítimas, em seus 20 e poucos anos. Atores e músicos passam semanas longe de seus amores quando estão em filmagens ou turnês. O envio de fotos pode ser uma tentativa de manter a intimidade à distância. Um selfie no espelho do banheiro também serve para medir o progresso de uma dieta. E há a simples vontade de uma jovem atriz tirar uma foto nua. O celular e o corpo são dela. Ninguém tem nada a ver com isso. A maioria das fotos provavelmente estava nos telefones por ingenuidade. Muitos não se dão conta de que serviços como o iCloud copiam automaticamente as fotos de seus iPhones para a rede. Conveniências parecidas são oferecidas por serviços como Google Drive, Dropbox e OneDrive.
“Ela não deveria posar nua se não fosse capaz de enfrentar a opinião pública”, dizem até alguns bem-intencionados. Não percebem que compactuam com o crime. Seguindo a mesma lógica, não se deve sair de casa, sob o risco de violência. Quem anda na rua em Monróvia tem preocupações diferentes do habitante de Estocolmo. Vigilância e a invasão de privacidade são crimes. Não devem ser encarados com normalidade, sob o risco de anestesiar para violências cada vez maiores.
A internet, em sua maior parte, ainda é um clube de meninos. Muitos deles, covardes, escondem-se por trás do anonimato para manifestar opiniões primitivas e tratar mulheres e seus corpos como moeda e propriedade. Mesmo em países aparentemente esclarecidos, mulheres precisam em seu cotidiano ignorar comentários sexistas, ameaças e perseguições. Uma vez atacadas, esperam-se delas “espírito esportivo” e a capacidade de reagir com elegância.
Com tantas imagens de mulheres disponíveis on-line, as fotos de celebridades nuas podem parecer inofensivas. Não são. São o resultado de uma cultura machista, que associa o sexismo das revistas masculinas ao anonimato da rede. Nessa visão de mundo, seus corpos não merecem privacidade ou integridade.
A proliferação da pornografia gratuita mudou as expectativas com relação ao corpo feminino. Muitos vídeos em sites adultos incluem atitudes agressivas e ameaçadoras contra as mulheres. Mesmo quando uma mulher é autora da violência, o alvo é outra mulher. O resultado é uma sociedade misógina, impaciente e intolerante, cada vez mais violenta contra a mulher. Não há nada particularmente revelador em um corpo nu num iPhone. A não ser, em alguns casos, a beleza da confiança no parceiro, com quem se compartilha esse corpo.
Luli Radfahrer é professor de comunicação digital na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
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