Carro não é investimento, isso é um fato. O implacável relógio da desvalorização começa a contar a partir do momento em que um veículo é retirado da concessionária. Mas é somente na hora da troca que você sentirá os efeitos reais da depreciação. Um levantamento feito por Autoesporte em lojas da capital paulista demonstrou que o valor estipulado pelas revendas para um usado pode ficar até 40% abaixo do estabelecido pela tabela Fipe, principal base de referência do preço de seminovos no mercado. A variação entre o menor e o maior valor ofertado por um mesmo modelo chega a R$ 4 mil.“Para atribuir valor, a concessionária analisa principalmente o estado físico do carro, como qualidade de mêcanica e estrutura. Itens como quilometragem e até marca e modelo também influenciam”, explica Edson Esteves, professor no curso de Engenharia Mecânica da FEI.
E quem oferece o usado como parte de pagamento na compra de um novo pode se surpreender ao ver o valor do seu carro cair mesmo após fechar a negociação. Para finalizar a compra, as revendas exigem a vistoria (ou perícia) cautelar, uma análise técnica que identifica o estado geral do automóvel, passando por estrutura, motor, chassi, originalidade de etiquetas de fábrica, gravação de números de série nos vidros, pintura e levanta ainda um histórico do modelo, com informações sobre o passado do veículo (se foi adquirido em um leilão, por exemplo) e até multas ou documentação pendentes.
Aspectos legais, como originalidade de motor e chassi, são os únicos pontos que podem de fato impedir a venda de um veículo, como determina o Detran. No entanto, o resultado da vistoria costuma ser usado pelas lojas para reduzir o valor oferecido. Em alguns casos, a baixa é justificada por problemas graves na estrutura, como avarias nas longarinas. Mas todo o processo que envolve a perícia e suas consequências é muito obscuro e geralmente ocorre depois do cliente já ter concluído o pedido de compra e pago um sinal.
LETRA DA PLACA DESVALORIZA? |
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As lojas tiram da cartola diversos motivos nada justos para depreciar seu carro. A reportagem ouviu deumvendedor da GM que o modelo avaliado perderia R$ 1 mil porque a placa começava com a letra A. “Isso significa que seu carro já foi de locadora”, afirmou. As concessionárias costumam fazer essa relação porque a Localiza, uma das maiores locadoras do país, emplaca seus carros em Curitiba, cuja série de placas inicia com A.Em levantamento do histórico do Logan utilizado na matéria, constatamos que o automóvel jamais pertenceu a uma locadora. |
A enfermeira Adriana Gonçalves, de São Paulo, foi pega de surpresa quando viu o preço de seu Chevrolet Corsa despencar após a vistoria, em julho deste ano. “Já estava tudo certo para a compra do carro novo. Quando o resultado chegou, eles disseram que o Corsa já havia sido batido antes e tinha muita repintura. Baixaram em R$ 5 mil o valor que iriam pagar. Foi um choque porque eu contava com essa quantia na troca e já tinha até emitido o pedido de compra do zero km”, conta Adriana.
Para Vanderlei Barbosa, vistoriador da Olho Vip, os avaliadores das lojas não conseguem detectar todos os aspectos estruturais e mecânicos, mas ainda assim podem ter fazer uma estimativa bastante completa do estado do carro. “Após a vistoria, a loja não pode baixar o preço por coisas que estão visíveis a olho nu, como repintura. Qualquer bom especialista detecta isso em uma primeira análise na loja”, opina.
De acordo com o diretor de fiscalização do Procon-SP, Márcio Marcucci, as lojas podem baixar o preço, mas é preciso deixar claro para o cliente que o valor da primeira avaliação não é final. “Caso isso não ocorra, a concessionária precisa obrigatoriamente cumprir o que foi acordado em um primeiro momento”. Autoesporte visitou diversas lojas com a proposta de oferecer um Renault Logan 1.6 2009 como parte do pagamento na compra de um carro novo. Apenas uma unidade visitada, da Nissan, explicou o procedimento conforme a orientação do Procon.
PARA NÃO SE DAR MAL |
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• Faça uma vistoria independente antes de levar seu carro para a avaliação na loja. Ainda que a revenda não aceite o documento, ele servirá para que você conheça a real situação do veículo. • Vai comprar um usado? Exija a perícia no carro que você pretende adquirir. É a melhor maneira de não levar gato por lebre. • Curiosamente, alguns vendedores afirmaram à reportagem que poderiam garantir o valor estimado para o seminovo idependente do resultado da vistoria. Faça com que a loja mantenha o preço inicialmente acordado e questione os resultados. |
As concessionárias também indicam empresas específicas para emitir o laudo e costumam criar barreiras para que o cliente tente fazer de maneira independente. “Além de ser uma venda casada, o que é proíbido por lei, a prática é muito desonesta porque gera uma falsa expectativa. As lojas ainda exigem que você pague o laudo [os valores variam entre R$ 150 e R$ 250, em média], o que é um absurdo, já que isso é do interesse delas”, avalia Maria Inês Dolci, Coordenadora Institucional da Associação de Consumidores Proteste. Na opinião da coordenadora, as lojas deveriam ter mecanismos para realizar essa vistoria internamente, sem repassar o custo ao cliente.
A vistoria também pode ser uma aliada na hora da compra e venda de um veículo. “É bom fazer uma vistoria independente para saber o estado real do carro e não ser enrolado na avaliação”, sugere Vanderlei. E, assim como a loja exige que o cliente faça uma vistoria cautelar do veículo que está dando na troca, o comprador deve exigir o mesmo para a revenda. “Mesmo carros novos podem ter problemas estruturais. Já analisamos modelos zero que apresentavam problemas na longarina e estavam equipados com peças de reposição”, revela. No caso da compra de um seminovo, é ainda mais importante que o papel se inverta. “Caso o carro tenha alguma falha, você pode tentar jogar o preço lá embaixo. Porque o problema não é comprar um carro que já foi batido, mas não saber o que você está levando para casa”, finaliza.
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