A explosão às 6h da manhã arranca uma camada de 9 m de espessura do bloco de migmatito numa área de 750 m² que já foi a morada de árvores centenárias na zona rural de Altamira e Vitória do Xingu (PA). Assentada a poeira, resta uma montanha de fragmentos dessa rocha dura, aparentada com o granito. À meia-noite, nem um pedregulho estará mais ali.
Duas escavadeiras se posicionam lado a lado, a 50 m uma da outra. Cinco levantamentos cada e, em menos de três minutos, enchem uma carreta com 32 toneladas de pedras. Sai um caminhão, encosta outro. Em 20 minutos, partem 18 caçambas cheias. Não há um segundo de descanso.
O ritmo frenético de homens e máquinas marca a construção de um canal de 20 km de comprimento, para dar passagem aos 14 milhões de litros de água por segundo desviados do rio Xingu –vazão quase 530 vezes maior que a do canal principal de transposição do São Francisco– que vão movimentar as turbinas da terceira maior hidrelétrica do mundo, e também uma das mais controversas: Belo Monte, da empresa Norte Energia S.A.
Quando estiver funcionando a toda força, a usina poderá produzir até 11.233 megawatts (MW) de eletricidade. Uma capacidade instalada suficiente para iluminar as casas de pelo menos 18 milhões de pessoas e ficar atrás só da hidrelétrica chinesa Três Gargantas (22.720 MW) e da paraguaio-brasileira Itaipu (14 mil MW).
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, o Brasil precisa acrescentar 6.350 MW anuais de geração elétrica, até 2022, ao seu parque atual de 121 mil MW (70% produzidos por hidrelétricas). Se pudesse funcionar a toda carga o ano inteiro, Belo Monte garantiria quase um quinto da eletricidade adicional de que o país vai precisar, mas isso só tem chance de ocorrer em quatro meses do ano.
A maior parte da capacidade de geração (11.000 MW) da nova usina ficará instalada na casa de força principal, junto da vila de Belo Monte do Pontal, cuja obra já avançou 47%. A barragem propriamente dita, contudo, ficará 60 km rio acima, do outro lado da Volta Grande do Xingu, no sítio Pimental, pouco depois do ponto em que o canal captará água para encher os 130 km² do reservatório intermediário. Junto ao vertedouro da barragem de Pimental, seis turbinas poderão produzir até 233 MW na casa de força auxiliar.
O pico de 11.233 MW só poderá ser alcançado entre fevereiro e maio, quando o Xingu atinge suas vazões máximas. Nos outros meses, as turbinas serão progressivamente desligadas. Entre altos e baixos, espera-se que Belo Monte garanta uma média de 4.571 MW, ou apenas 41% de sua capacidade instalada.
“Para começar a gerar, isso tudo tem de estar concluído”, diz a engenheira civil Roberta Martinelli Pimentel Pereira, 35, apontando para o canal onde poderiam acomodar-se facilmente 60 caminhões, lado a lado.
Belo Monte precisa começar a produzir energia em fevereiro de 2015, com a primeira turbina da casa de força auxiliar, mas isso vai atrasar uns três meses. Depois, de março de 2016 até janeiro de 2019, entram em linha as 18 turbinas da casa de força principal. Neste caso, nada pode atrasar. Na realidade, a Norte Energia trabalha com a hipótese de antecipar a montagem das turbinas principais, a partir da quarta ou quinta máquina, de modo a que todas estejam em operação antes do prazo contratual –o que trará ganhos consideráveis para o empreendedor.
No presente, o maior desafio de Roberta Pereira é domar as águas dos igarapés que cortam o curso do gande canal e completar, ainda em dezembro de 2013, a ensecadeira (barragem provisória, para manter a construção isolada do rio Xingu). A engenheira comanda 7.000 empregados e tem 12 anos “no trecho”, como se refere às grandes obras de infraestrutura por que passou. A ensecadeira já tem fundações prontas e a maior parte do aterro alcançou a cota de segurança, 95 m.
Belo Monte fervilha 24 horas por dia, dois anos e meio após o início oficial de sua construção, em junho de 2011. Com um custo estimado em R$ 30 bilhões, o prazo para começar a produzir energia é apertado, apenas 44 meses. Em Itaipu foram 120 meses; a previsão para a hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira (RO), era de 52 meses, mas a usina começou a gerar energia nove meses antes.
Problemas de comunicação
As obras de Belo Monte atingiram o clímax em outubro, com 25 mil trabalhadores (87% deles homens). Três quartos dos mais de 5.600 municípios brasileiros têm população menor que esse exército de operários.
De cidades bem menores que os canteiros da usina vieram João, José, Antônio, Pedro e Joaquim (que pedem para não ter seus verdadeiros nomes revelados). Sentados domingo à tarde na calçada da avenida João Rodrigues, em Altamira, os cinco bebem vodca com soda. Chegaram há pouco mais de um mês e já pensam em ir embora. Belo Monte foi para eles uma decepção. “Nosso salário, em vista de outros Estados, tá aqui”, diz João, com o dedo indicador perto do chão.
João não é barrageiro de primeira campanha. Em 2011, trabalhou na usina de Santo Antônio, no rio Madeira. Diz que lá sua renda mensal ficava entre R$ 1.700 e R$ 1.800. Em Belo Monte, o primeiro salário não passou de R$ 1.200. O teto de dez horas extras semanais negociado entre o Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM) e o Sintrapav (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada do Pará) impede os operários confinados nos canteiros de trabalhar mais que 54 horas por semana –e, portanto, de ganhar mais.
Mais de dois terços dos trabalhadores vêm de fora de Altamira. O distanciamento da família é agravado pelo fato de nos canteiros só haver sinal da operadora Oi, que tem entre seus controladores a Andrade Gutierrez, líder das empreiteiras do CCBM (que conta ainda com Odebrecht e Camargo Corrêa). Quem tem celular de outras operadoras pena para falar com a mulher e os filhos. Os mais persistentes descobriram que há vestígios de sinal no morro da caixa-d’água perto do alojamento Canais, onde podem ser vistos com o aparelho amarrado em estacas fincadas no chão.
Segundo pesquisa Datafolha com 246 trabalhadores da obra entrevistados em Altamira, a maioria é de casados (51%), dos quais 40% têm mulher ou marido vivendo na cidade. Dois de cada três trabalham em Belo Monte há menos de um ano e pelo menos a metade não pretende ficar, instalou-se no local apenas em busca do emprego (38% já trabalharam em outras barragens).
Os alojamentos têm dormitórios para no máximo quatro pessoas, com ar-condicionado, banheiro interno e água quente. Dezenas de quartos compõem os “condomínios”, em cada um dos quais só se entra com o crachá magnético correspondente. No pátio interno entre os condomínios, os quartos são isolados por alambrados. As opções de lazer são ver TV, ir à academia, jogar sinuca, dominó ou pebolim. Há espaço para cultos religiosos e aulas de informática. Um cinema com 200 lugares está para ser inaugurado.
De acordo com o Datafolha, 57% dos trabalhadores da usina moram nos alojamentos dos canteiros. A grande maioria aprova conforto (89% de ótimo e bom) e limpeza (84%) do local, assim como sua organização (71%) e as oportunidades de lazer (70%). Só a qualidade da alimentação divide opiniões: 45% de ótimo/bom contra 45% de regular.
Greves de trabalhadores (como a que parou toda a obra no final de novembro de 2013), protestos de índios, paralisações determinadas pela Justiça e problemas com licenças ambientais podem forçar a Norte Energia a atrasar o início da geração. Pelo contrato assinado com a União, a multa por descumprimento do prazo pode chegar a 2% do faturamento anual.
A Norte Energia ainda teria de comprar de outras empresas a energia que não entregar, ao custo diário de até R$ 1 milhão por turbina não acionada, dependendo do preço da energia na época. Esse prejuízo acabaria assumido pelos contribuintes, pois, apesar de planejado como empreendimento privado, Belo Monte no fundo é estatal (não é à toa que a Força Nacional de Segurança participa da vigilância na obra).
Em 2010, quando a Norte Energia venceu o leilão para construir Belo Monte, o grupo era pouco mais que um aglomerado de empresas médias de construção civil e energia (Bertin, Queiroz Galvão, J. Malucelli, Cetenco, Galvão Engenharia, Mendes Júnior e Serveng) com estatais lideradas pela Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco). Desde então, sua composição evoluiu para uma associação entre as estatais e fundos de pensão, que contratou para tocar a obra civil boa parte das empreiteiras perdedoras do leilão, agora reunidas no CCBM.
Piauí x EUA
Antônio Kelson Elias Filho, 55, é o diretor de obras da Norte Energia. Com seu sotaque mineiro, modos diretos e a voz poderosa, Kelson é o próprio comandante em chefe da megaconstrução. Distribui ordens o tempo todo, pessoalmente e por telefone. Ao recordar sua reação após a vitória no leilão sobre um consórcio dado como favorito, Kelson deixa claro qual era o estado de espírito da tropa improvisada ao assumir o domínio sobre Belo Monte: “O Piauí ganhou a guerra com os Estados Unidos. Agora tem de ocupar”.
Tudo em Belo Monte é colossal. O canal de 20 km sob o comando da engenheira Roberta Pereira tem no mínimo 200 m de largura no fundo e pode ultrapassar 300 m na borda superior dos taludes. A água alcançará uma profundidade de 22 m, o equivalente a um prédio de sete andares. A barragem em Pimental terá 8 km. O coração da usina, em Belo Monte, vai abrigar 18 turbinas de 5 m de altura e 8,5 m de diâmetro em nichos escavados na rocha viva, com altura de 45 andares. O gerador movimentado pela turbina tem 22 m de diâmetro e precisa ser levado desmontado até a região, pela impossibilidade de transportá-lo numa peça só. Sete dessas unidades geradoras começam a ser montadas na fábrica da Alstom em Taubaté (SP), a mais de 2.300 km de Altamira. A finalização da roda da turbina exige soldar três tipos de peça: o cubo (roda menor), fundido na Coreia do Sul; a cinta (roda maior), produzida na China; e as pás fabricadas em Piracicaba pela empresa brasileira Dedini. Ao contrário do gerador, a roda segue inteira –320 toneladas de aço inoxidável– para o Pará. Cada viagem deve tomar de três a quatro meses, de carreta até Santos, depois de navio até Belém e por fim de balsa até o porto construído em Belo Monte.
Só o contrato da Alstom, firma de origem francesa envolta em escândalos que lidera o consórcio para fabricar 14 das 18 unidades geradoras, vale R$ 1,3 bilhão. Ela entregará a primeira turbina da obra, para geração no início de 2016, na casa de força principal em Belo Monte. Os outros quatro conjuntos de turbina e gerador estão sendo fabricados em Suape (PE) pela Impsa, multinacional argentina contratada separadamente pela Norte Energia.
Arroz de avião
A logística da construção não tem sido fácil. A rodovia Transamazônica, aberta na década de 1970, ainda tem trechos não asfaltados nos 906 km que separam Altamira da capital, Belém, que se tornam intransitáveis no período de chuvas, de dezembro a junho.
A construção de 270 km de acessos da Transamazônica até os canteiros permitiu aumentar o ritmo das obras. Em 2011, quando ela começou, um caminhão levava quatro ou cinco horas para ir da Transamazônica ao sítio Pimental. Agora, leva 40 minutos.
Em julho de 2011, protestos fecharam a Transamazônica. Para alimentar os empregados, foi necessário fretar dois aviões, ao custo total de R$ 80 mil, que foram buscar em Belém toneladas de arroz e outros gêneros. Quando a carga chegou, havia comida só para três dias de alimentação.
A rubrica transporte representa em torno de 8% do custo total do projeto Belo Monte. “Se tivéssemos a Transamazônica asfaltada, teríamos uma economia de R$ 200 milhões, dos R$ 800 milhões já gastos com transporte”, calcula Marcos Sordi, diretor administrativo do CCBM.
Na avaliação do consórcio, ao final de 2013 cerca de metade de toda a obra civil de Belo Monte estará realizada. Na barragem do rio Xingu, a parte que precisa ficar pronta em 2014 para acionar as turbinas na casa de força auxiliar de Pimental, as obras realizadas devem chegar a 47% do total. Os engenheiros afirmam que tudo está dentro do cronograma.
A Volta Grande do Xingu
Giliarde Jacinto Pereira Juruna, 31, levanta-se da mesa ao meio-dia em ponto. O prato de acari-bodó –um peixe cascudo assado na brasa– pode esperar. É sábado e chegou a hora de ligar o gerador (durante a semana, a máquina só funciona quando a noite chega). “É para gelar alguma coisa, o pessoal fica mais em casa”, justifica. Futebol e cerveja: programa de fim de semana de índio, também.
Há quem trabalhe, contudo. Gelson Juruna pega o bote de alumínio, o tubo para respirar e as “vaquetas” (hastes de madeira para desentocar peixes das pedras) e sai pelo braço do rio Xingu que banha a aldeia Muratu da Terra Indígena Paquiçamba, no miolo da Volta Grande. Com sorte, voltará com até 40 bois-de-bota (Panaque nigrolineatus), um dos mais cobiçados peixes ornamentais. O boi-de-bota vive nas ramas, a vegetação das corredeiras, e pode ser vendido por R$ 12 cada um aos aquários de Altamira –ou R$ 480 de renda extra num sábado.
O boi-de-bota, conhecido no exterior como “royal pleco”, é um dos vários peixes loricariídeos –os populares cascudos– que ocorrem neste trecho do Xingu. Bem mais valioso é o acari-zebra (Hypancistrus zebra), o “zebra pleco”, que chega a valer R$ 40 a unidade para quem o capturar (o que ninguém admite fazer, porque a coleta da espécie vulnerável está proibida). E há muitos outros acaris para pegar e vender: amarelinho, bola-azul, onça, aba-laranja…
A variedade de padrões das manchas dos peixes de poucos centímetros faz a alegria dos aquaristas. São adaptações à também enorme diversidade de habitats oferecida pelos pedrais do Xingu, como são conhecidos os labirintos de rochas, areia e vegetação em que se espraiam as águas verdes do rio na Volta Grande.
A grande transparência é um convite à seleção sexual, daí a exuberância das listras e bolinhas, para atrair a atenção das fêmeas. A profundidade e a velocidade variáveis da água garantem nichos de temperatura diversa, assim como as rochas oferecem todo tipo de toca, e a vegetação, de alimento. Cada espécie, ali, é também uma especialista.
Os geólogos não sabem ao certo por que o rio faz aquela curva abrupta para o leste na altura de Altamira. A guinada se dá bem na linha divisória entre a bacia sedimentar do Amazonas, terreno mais recente e fácil de erodir, ao norte, e um embasamento de rochas mais resistentes, ao sul. Mas isso não explica o volteio do Xingu, pois outros afluentes do Amazonas, como o Tapajós a oeste, passam em linha quase reta pela mesma transição.
Uma das hipóteses em estudo desde 2010 por André Oliveira Sawakuchi, do Instituto de Geologia da USP, é que o leito de rochas duras como o migmatito tenha sofrido uma elevação recente (em termos geológicos, bem entendido: menos de 65 milhões de anos). Ou, mesmo, que o embasamento ainda esteja sendo levantado, ou ainda que uma elevação de migmatito estivesse soterrada pelas rochas sedimentares e a erosão do rio apenas tenha exumado a elevação.
É como se o rio se desviasse por encontrar pelo caminho uma ilha de rochas muito mais resistentes e precisasse achar um caminho para contorná-la, formando um conjunto de corredeiras de complexidade e tamanho únicos (elas são mais comuns em rios de vazão menor). “Chama a atenção do geólogo, ainda, o padrão geométrico dos canais do rio na parte encachoeirada”, explica Sawakuchi. Ele supõe que as águas estejam se espalhando pelas linhas criadas por fraturas geológicas no embasamento, orientadas no sentido noroeste, criando o emaranhado de canais e ilhas da Volta Grande, paraíso dos cascudinhos e seus pescadores.
Altamira invadida
Todos os sábados, em especial após o dia de pagamento, centenas de trabalhadores ocupam a descuidada orla de Altamira em busca de diversão. A música tecnobrega faz tremer as caixas de som dos botecos à beira das tranquilas águas verdes do Xingu. Bebe-se muito.
Mulheres, algumas delas prostitutas, dançam funk. As brigas são comuns, com emprego de facas e gargalos de garrafa pelos homens e puxões de cabelo pelas mulheres. Os bêbados, se não caem pelas areias ou pelas calçadas, banham-se no rio que recebe o esgoto da cidade sem tratamento.
A “corrida do ouro” que tomou conta de Altamira desde a instalação dos canteiros de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, em 2011, deixou marcas profundas na cidade. Nem todas ruins: vários setores do comércio florescem, há emprego para todos e os salários aumentaram.
“Caos”, porém, é a palavra mais usada pela população, mesmo entre os que defendem o empreendimento: no trânsito, na segurança pública, nas panes energéticas quase diárias que liquidam eletrodomésticos –resultado da demanda criada pela própria obra, que consome o mesmo que 54 mil residências, paga uma conta de luz mensal de R$ 2,3 milhões e usa geradores das 14h às 17h para minorar o problema.
A população da cidade, que era de quase 100 mil pessoas no Censo de 2010, saltou para pelo menos 140 mil. O número total de operários previstos para o pico da obra era de 18 mil, porém chegou a 25 mil neste segundo semestre.
A construção de Belo Monte tem impacto sobre 11 cidades, mas Altamira, principal polo urbano da região, é de longe a mais afetada. Como 92% da obra fica no município vizinho de Vitória do Xingu, com um décimo da população de Altamira, há uma distorção: nos últimos dois anos a prefeitura de Vitória recolheu R$ 121 milhões de ISS, enquanto a de Altamira ficou com R$ 12,7 milhões.
Não surpreende, assim, que os moradores de Altamira julguem Belo Monte de forma bem mais crítica que os trabalhadores da usina, segundo pesquisa Datafolha com 435 pessoas na cidade. Enquanto 88% dos empregados aprovam a construção, entre residentes esse contingente cai para 57% –ainda assim, a maioria.
É clara a percepção de que o principal aspecto positivo da obra está na geração de empregos (apontada por 66% dos moradores), mas também de que esse benefício pode ser efêmero: 44% dizem acreditar que a cidade ficará pior quando terminar a construção, parcela quase igual à dos que dizem que ficará melhor (43%). Não por acaso, o mesmo número (43%) dos que acreditam que a Norte Energia só está cumprindo parcialmente as prometidas melhorias e compensações para Altamira.
Promessa e dívida
Para obter a licença de operação da usina, ficou estabelecido que a Norte Energia deverá cumprir dezenas de ações de cunho social e ambiental, um investimento de R$ 5 bilhões na infraestrutura da cidade e municípios da região.
“É o maior projeto socioambiental em curso no mundo”, afirma Cassandra Molisani, superintendente da área na empresa. “Na história das hidrelétricas no Brasil não existe notícia de uma lista tão extensa e tão detalhada como a que foi feita para Belo Monte.”
Muitas das obras estão atrasadas, e os serviços públicos, saturados. O único hospital de portas abertas da cidade passou a atender também os novos moradores. “Estamos 150% lotados o tempo inteiro”, afirma o secretário municipal de Saúde, Waldecir Maia. Um novo hospital está em construção, com capacidade para cem leitos, mas deveria ter sido entregue em 2012 e só ficará pronto em 2014.
A estrutura é quase a mesma que atendia uma população de 100 mil habitantes. São 16 unidades básicas, quatro delas construídas pela Norte Energia, sendo que duas já existiam em outros endereços. “Em minha cabeça isso tudo já devia estar pronto desde quando o consórcio chegou”, diz o secretário.
José Lazaro Ladislau, gerente de Saúde da Norte Energia, atribui a sobrecarga do hospital à atenção primária deficiente no município. Concorda, porém, que houve atraso no hospital, por dificuldade do município em achar o terreno e demora na adequação do projeto às normas da Vigilância Sanitária.
“De toda forma, a estrutura atual é suficiente para atender 200 mil pessoas, de acordo com os padrões do SUS”, diz o gerente. O secretário Maia discorda: “Estatisticamente, pode até ser, mas convido a Norte Energia a passar um dia no hospital comigo. Quanto à atenção primária, um bom começo seria se cuidassem disso nos canteiros, sem mandar o trabalhador para a cidade”.
“Estamos já para o final de 2013, mais de dois anos da empresa na região, e as condicionantes mais fortes estão se iniciando agora, praticamente”, queixa-se o prefeito Domingos Juvenil (PMDB), eleito em 2012. A Norte Energia se defende dizendo que a prefeitura demorou para designar áreas e aprovar projetos de construção. Marcelo Salazar, da ONG Instituto Socioambiental (ISA) em Altamira, afirma que a prefeitura está despreparada para lidar com o aumento populacional: “É uma negociação assimétrica. A prefeitura não conta com uma estrutura para dialogar com a Norte Energia”.
“Toda a pressão acumulada de um passivo que vem de décadas aparece à tona”, diz a superintendente Cassandra Molisani. Ela cita como exemplo as obras de remediação do lixão da cidade e a construção de aterro sanitário. “Não existe outro igual no Pará. Altamira era conhecida como a cidade dos urubus, um problema que se arrastava havia pelo menos 25 anos.”
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