Cresci vendo gente ao meu redor jogando lixo pelas ruas. Abrir um picolé e nem olhar em volta: jogar direto no chão. Tampinha de refrigerante e papel de bala, então, nem se fala. Passei minha infância numa cidade pequena, com visitas ocasionais à Alemanha para visitar minha família materna - e, talvez por isso, tenha crescido estranhando a curiosa relação que “os brasileiros” têm com o espaço público.
Não vou dizer que fui uma criança que nunca jogou algo no chão. Seria um exagero tosco. Mas nunca me pareceu correto e nunca deixei de sentir muita vergonha de eventualmente ter optar por isso – certamente, na maioria dos casos, por falta de um local adequado e suficientemente próximo para livrar-me rapidamente de algo melado ou incômodo.
Afinal de contas, ninguém joga lixo no chão de casa, não é verdade? Ou joga? Imagino que não. Mas da porta para fora, é como se o espaço pertencesse não a nós, mas aos políticos corruptos que não fazem nada mesmo, então o “público” não merece respeito. É como se fosse mesmo um outro lugar, e não a minha casa também, a terra onde piso, a cidade que digo tanto amar. O Rio que eu levo no meu coração, estampo em camisetas, pronuncio o nome com um sorriso no canto dos lábios de orgulho quando viajo. A cidade que fotografo, fotografo, fotografo.
O assunto lixo nas ruas anda quente faz tempo no Rio de Janeiro. No primeiro dia da operacão “Lixo Zero”, a Prefeitura aplicou 121 multas. Confesso que também eu olhei com um certo nariz torcido, num primeiro momento. Cheguei a papear com um taxista – sempre os mais críticos – a respeito. Ah, precisamos antes fazer isso, aquilo. Precisamos ter mais latas de lixo.
Será que faz sentido deslocar gente para ficar aplicando essas multas? Pensei: tanta coisa mais importante – a violência, a educação, a saúde. Mas o fato é que o lixo espalhado diariamente pelas ruas do Rio é uma questão que engloba tudo – é uma violência, é uma falta desmedida de educação, é uma questão de saúde pública. E é muito mais. É uma questão de posicionamento na vida, diante do mundo, e de nós mesmos. É algo que faz pensar em que mundo queremos viver: em que cidade, em que bairro, em que rua queremos construir e levar nossas vidas. Em que praias queremos estar.
Sempre me assustei com a quantidade de lixo que as pessoas são capazes de produzir e abandonar nas praias cariocas. A primeira reação é sempre assim: ah, não há lixeiras em quantidade suficiente. Talvez nunca haja. Mesmo assim, nada justifica jogar lixo no chão.
Canso de levar para casa em um saquinho o cocô da minha cachorrinha porque as poucas lixeiras existentes estão lotadas – ou fico mesmo com preguiça de andar até a mais próxima e opto por jogar o lixo em casa.
Canso de levar para casa em um saquinho o cocô da minha cachorrinha porque as poucas lixeiras existentes estão lotadas – ou fico mesmo com preguiça de andar até a mais próxima e opto por jogar o lixo em casa.
Sempre existe uma opção. E acredito que esta campanha foi criada para que as pessoas comecem a se dar ao trabalho – sim, porque ter qualidade de vida dá mesmo trabalho. Trabalho de escolher simplesmente não jogar o lixo nas ruas.
Vejo essa estratégia da Prefeitura como algo educativo. Quando dói no bolso, costuma funcionar, dizem muitos. Concordo: levar uma multa direto no cpf é uma liçãozinha que tenho certeza que surtirá efeito. “Ah, mas tem que fazer campanha”, dizem por aí. Então, aviso aos navegantes: tem campanha.
Há muitas campanhas educativas sendo feitas, o tempo todo. A Coca-Cola anda até dando brindes em troca de lixo, numa parceria com a Conlurb no programa Lixo Zero. E assim caminha a humanidade. Para frente. Ao invés de olhar tudo com o julgamento torto das “prioridades”, pense que neste mar de absurdos que vivemos hoje, jogar lixo nas ruas é mais um deles. Não pode. Ponto.
Se tem ou não lixeira próxima, se não achou o local pra desovar a guimba do cigarro, se não onde jogar o lixo dentro do ônibus, se dá trabalho catar o lixo na praia, se na sua rua a coleta é precária. Jogar o lixo “no vento” como se ele fosse de desmaterializar, é se desconectar do mundo em que se vive, como se habitassemos, todos uma dimensão paralela. Se queremos evoluir, todos, e cobrar coisas das autoridades, ser reconhecidos e respeitados, precisamos cuidar da nossa casa: a cidade, o espaço público. Todos ganharemos com isso, pode apostar.
Comentários