Em entrevista, o vice-presidente comercial da Honda, Roberto Akiyama, explica a razão de adiar a nova fábrica de Itirapina (SP) e acredita que mercado de automóveis se recupera da atual crise O mar não está para peixe para as montadoras de automóveis no Brasil. Os níveis de venda de veículos novos são os piores desde 2003, e não há grandes sinais no horizonte de que vá melhorar no curto prazo. As maiores montadoras operam com metade de sua capacidade produtiva e o desemprego no setor é crescente.
Nesse marasmo preocupante é possível encontrar alguns melhores entre os piores. É o caso da Honda, que mantém intacta sua filosofia nipônica: esperar por uma maré melhor, com paciência e sabedoria. Tanto isto é verdade que decidiu adiar uma fábrica localizada em Itirapina (SP).
O vice-presidente comercial da Honda, Roberto Akiyama, único executivo que fala sobre os planos da montadora no Brasil, acredita que dias melhores virão. Ele conversou com o portal da DINHEIRO.
DINHEIRO – O senhor está otimista ou pessimista em relação às vendas de automóveis no Brasil?
ROBERTO AKIYAMA – O mercado brasileiro em 2015 vendeu algo em torno de 2,4 milhões veículos novos. Já chegamos a vender 3,4 milhões no seu auge, quando projetávamos vender algo em torno de cinco milhões de veículos. Mas o detalhe é que no ano passado foram vendidos 8,6 milhões de carros usados, um volume que não caiu. Isto quer dizer que as pessoas continuam comprando veículos, mas decidiram esperar um pouco mais para adquirir um novo. O que eu quero dizer é que se você somar a demanda de veículos novos e usados não houve tanta queda assim. Isto nos leva a crer que o Brasil tem um mercado potencial importantíssimo, que está infelizmente afetado por um cenário conjuntural. No momento que houver melhor horizonte econômico, isto motivará as pessoas a deixarem de comprar um carro usado e adquirir um novo. O desejo do brasileiro de comprar um automóvel novo ainda existe, está latente.
DINHEIRO – Quando a Honda inaugurará de fato a sua fábrica de Itirapina, a 200 quilômetros de São Paulo, e que já está pronta para operar?
AKIYAMA – Não temos previsão ainda, já adiamos o início da operação que seria no começo desse ano. Não há prazo para iniciarmos, tudo está em suspenso por enquanto em uma decisão tomada pela companhia no Brasil e com a aprovação do conselho no Japão. Vamos aguardar uma melhor previsibilidade do mercado, que está hoje muito instável.
DINHEIRO – Quanto foi gasto para a construção da fábrica e por que se decidiu investir?
AKIYAMA – Investimos no total, incluindo equipamentos, R$ 1 bilhão de recursos próprios. É importante compreender que iniciamos a renovação de nossos produtos em 2014, com o Honda City e Fit. Em 2015 entramos em um segmento que não operávamos, de utilitários esportivos, os chamados SUV, com o modelo HRV. Mas a decisão de se construir a fábrica em Itirapina foi bem antes, em 2013, quando a projeção de vendas de automóveis e utilitários leves no Brasil era de cinco milhões de unidades. Naquele momento houve uma onda de investimentos para ampliar a produção de várias montadoras. Hoje a demanda da indústria é a metade do que se previa.
DINHEIRO – A atual fábrica de Sumaré (SP) da Honda não daria conta do recado?
AKIYAMA – Não. A decisão de investir na nova fábrica ocorreu também porque a nossa fábrica em Sumaré já operava com o limite de capacidade de produção. Quer dizer, há três anos existia um otimismo de que o mercado demandaria mais veículos, e já estávamos operando no limite de nossas instalações. O problema é que o aumento na demanda não ocorreu.
DINHEIRO – E como está a produção da montadora hoje?
AKIYAMA – Operamos com plena capacidade na fábrica em Sumaré, com 120 mil unidades por ano. Em 2015, aliás, expandimos um pouco mais esse número com utilização de horas extras e uma boa demanda do modelo HRV, que teve grande aceitação de mercado. A nova fábrica em Itirapina dobraria nossa capacidade produtiva para 240 mil unidades ano, com uma produção gradual de acordo com as vendas. Quando inaugurarmos a fábrica de Itirapina, no primeiro ano planejamos produzir 60 mil automóveis.
DINHEIRO – Deixar uma fábrica pronta, fechada, é perder dinheiro. Quanto custa para a Honda essa decisão de não inaugurar Itirapira com tudo já pronto?
AKIYAMA – A Honda não tem essa forma de raciocinar, pensamos diferente. É preciso antes de tudo notar que o segmento automotivo requer uma estratégia de longo prazo, sempre com possibilidades de oscilações conjunturais como as que vivemos hoje. No momento em que o mercado reagir, teremos condições de operar a nova fábrica. O ponto é que deixar a fábrica parada tem um custo, mas operá-la em um momento de queda de vendas custa muito mais. Essa é a lógica.
DINHEIRO – Como o mercado de automóveis vai se comportar daqui para frente, na visão da Honda, com o atual cenário político e econômico?
AKIYAMA – Fazer uma projeção mais certeira é muito difícil. Nossa posição é de cautela. As variáveis são tantas, a incerteza tamanha, que não conseguimos identificar qual o peso político e o econômico nos problemas que o País enfrenta. Qualquer prognóstico que se faça para o ano que vem e 2018 certamente terá que ser revisado. O que podemos dizer é que tivemos uma queda em torno de 18% nas vendas do ano passado para 2016, o que é razoável dada a conjuntura. Particularmente em função do índice de confiança do consumidor ter caído tanto, hoje na casa dos 70 pontos (de uma escala de 100). Quer dizer, tem um viés psicológico enorme para o consumidor decidir comprar um carro nas atuais circunstâncias, há muita insegurança.
DINHEIRO – E o crédito, que está caro e escasso? De que forma isto influencia nas vendas da Honda?
AKIYAMA – É preciso entender a lógica do setor automotivo para responder. Existe o segmento dos chamados “carros de entrada”, que são os de motorização 1.0 ou 1.4, geralmente os de carros hatch. E há também a fatia dos carros que representam o segundo veículo das famílias ou pessoas em geral. O primeiro segmento depende basicamente de crédito para as vendas. Já o segundo bloco precisa bem menos. No caso da Honda, que está nesse segundo segmento, somente metade dos clientes usam crédito. O perfil da Honda é que o cliente pague metade à vista e financie o restante. Isto nos torna muito menos dependente da escassez ou abundância de crédito em relação aos nossos concorrentes. O detalhe é que no momento que a confiança do consumidor melhorar, a tendência é que haja uma maior demanda por crédito no segmento que atuamos. Em outras palavras, se melhorar o cenário econômico a nossa velocidade de recuperação é também maior em relação às demais montadoras.]
DINHEIRO – Fala-se muito no Brasil que os carros são caros em relação ao que se paga lá fora porque as margens das montadoras são altas. Isto é verdade?
AKIYAMA – Se você retirar todos os impostos, o preço do carro reduziria em média 45% no Brasil, que é exatamente o peso da carga tributária. Você tem ainda um conjunto de peças importadas e nacionais, toda uma cadeia produtiva, o custo operacional da fábrica. Então não há como se viabilizar uma margem menor do que a praticada hoje no País. Sem contar a escala, que é muito maior lá fora. O mercado americano, por exemplo, é da ordem de 16 milhões de automóveis por ano, contra 2,4 milhões no Brasil. Eu diria ainda que é muito mais fácil hoje as montadoras estarem operando com prejuízo do que com rentabilidade.
DINHEIRO – Por que isto está acontecendo?
AKIYAMA – Porque o volume caiu consideravelmente, a taxa de câmbio aumentou rapidamente, os juros são altos e a inflação já é de dois dígitos no Brasil. Isto quer dizer que temos um cenário de aumento de custos ascendente em um ambiente de queda de vendas, onde torna-se impossível o repasse ao consumidor.
DINHEIRO – Qual o impacto do câmbio nos custos da Honda?
AKIYAMA – Nosso índice de nacionalização está na faixa de 70%, isto quer dizer que 30% dos nossos componentes são afetados pela taxa de câmbio.
DINHEIRO – Por que o HRV tem tido tão grande aceitação?
AKIYAMA – É uma questão de compra “aspiracional”. O carro é mais robusto, tem uma estrutura diferenciada de um carro hatch ou sedan, é mais alto e adaptado às nossas ruas, que são muito onduladas. E o produto da Honda não abriu mão de conforto e dirigibilidade de um automóvel iminentemente urbano, o que o tornou um grande sucesso de vendas. No ano passado vendemos um pouco mais de 51 mil unidades, lembrando que o carro foi lançado em março. A ideia é vendermos em torno de 55 mil HRV por ano. E só não vendemos mais esse ano por falta de capacidade produtiva dos nossos fornecedores.
DINHEIRO – A Honda tem hoje cerca de 7% do mercado de automóveis no Brasil. Qual é a meta a ser alcançada?
AKIYAMA – Você pode até achar estranho, mas nunca tivemos pressão interna por market share. Não é um objetivo para a Honda, mas somente uma consequência. O que perseguimos é satisfação pela marca. Mesmo que você não compre um Honda, o que queremos é que o dia que resolver comprar um carro lembre-se da nossa marca. Daí a nossa preocupação de valor agregado ao que produzimos, a nossa resistência de fazer campanhas agressivas de varejo.
DINHEIRO – O portfólio de carros Honda lá fora é muito maior que brasileiro, que tem a seu dispor hoje quatro produtos. Por que isto acontece?
AKIYAMA – Cada montadora tem o seu ponto de equilíbrio, que está relacionada com um volume mínimo de vendas. Isto está relacionada ainda com característica de demanda, nível de nacionalização de peças. O fato é que o nosso volume ainda é pequeno comparado com a de outras montadoras para justificar mais modelos por aqui.